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Madrugada dos mortos

79º Oscar – Kodak Theater, 25/02/07

por Rodrigo Campanella

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George Romero deve, literalmente, ter feito a festa. Nesse ano, aquela sem-graceza geral da constelação do cinema tendo que encarar piadas desconfortáveis e câmeras de tevê à cata de uma ruga chegou a um novo patamar. Foi um desfile de mortos-vivos em frente às câmeras. Pior ainda para quem, comentando na televisão, tinha que manter a linha chapa branca e elogiar a coisa toda.

A apresentadora Ellen DeGeneres, muito simpática, não merecia aquele texto tão ruim que amargava as piadas na língua e naturalizou Penélope Cruz como mexicana. Mesmo o que poderia funcionar como show caía na vala comum de um espetáculo que não começou. De quem assistia aqui do sofá, a impressão era de que a parte mais estrelada dos presentes parecia contrariada de estar ali. Talvez pelo medo de ter que assistir a alguém do gabarito de Clint Eastwood anunciando prêmios para a câmera da tevê como quem vende solenemente desodorante (ruim).


A foto com os amigos

Algo se salvou? Os três meninos de ouro para “O Labirinto do Faunoâ€, incluindo fotografia, prêmio que dá alguma repercussão. O Oscar pelo conjunto da obra para Ennio Morricone, entregue por Clint Eastwood, conhecido desde os tempos dos filmes do (grande) diretor Sergio Leone. E o belíssimo clipe de Giuseppe Tornatore para os melhores filmes estrangeiros premiados até aqui - estatueta que esse ano foi para o alemão “A Vida dos Outrosâ€, bem recomendado por quem viu. E dá-lhe saudade de Federico Felini.

O show arrastado (quase quatro horas) serviu bem para seu propósito mestre: vender comerciais. Como Nirlando Beirão comentava, sobre o Super Bowl americano, em sua coluna Tevelândia na revista Carta Capital, o show dos intervalos é que é a alma do negócio. O resto é recheio para vender pão.

Em 2006 a disputa premiou o único filme ruim entre os cinco concorrentes ao último prêmio da noite, mantendo a atenção até o lance final tanto pela torcida quanto pela acidez do comediante americano Jon Stewart, apresentando e lançando granadas do palco. Já nesse ano foi difícil acreditar que alguém mais no Brasil estivesse assistindo aquilo até às duas e vinte da manhã fora eu, algum outro jornalista, a equipe da Globo e o Rubens Ewald Filho.

A balela de que o Oscar se abriu para o mundo, convidando ingleses e espanhóis para também roerem as unhas antes dos prêmios (“Babelâ€, “O Labirinto do Faunoâ€, “Filhos da Esperançaâ€, “A Rainhaâ€, “Volver†) fez muita gente acreditar que esse é um novo dia, de um novo tempo, que começou. Mas, no mesmo embalo da música, era conversa pra bovino adormecer.


O prêmio pelo conjunto da obra

O Oscar é uma festa de negócios, categoricamente americana. Não é possível escolher os melhores filmes do ano porque esses, usualmente, nem são indicados. Como lembra o nosso Daniel Oliveira, é a festa que hoje premia a falta de personalidade: se você é capaz de fazer um filme razoável, sem um traço de autoralidade, de preferência com tema ‘adulto’ e uma crítica bem mastigada a qualquer aspecto da vida, do universo, etc, seja bem-vindo. “Filhos da Esperança†ficar de fora de todas as grandes categorias é a prova cabal para quem ainda duvidava.

Com a retomada de força nas salas (de cinema e de televisão) de várias cinematografias nacionais (Espanha, Brasil, Argentina, França) e outras indústrias de imagem ganhando consolidação e reconhecimento (a Bollywood indiana, o cinema genericamente classificado como ‘asiático’), os grandes estúdios americanos vêem nas imagens vindas de fora um bom pote de dólares, seja co-produzindo ou distribuindo. Se o fluxo de diretores estrangeiros para Los Angeles continua, agora também se mostra interessante capturar e/ou produzir material em língua estrangeira para ser exibido fora dos Estados Unidos. Norte-americanos ao que parece ainda acreditam que ler legendas causa cegueira ou algum outro mal do gênero.


Clint entrega a Ennio Morricone o Oscar pelo conjunto da obra. Merecido.

“Babel†é o exemplo clássico desse cinema que vem de fora (o diretor Alejandro González Iñarritu é mexicano e estourou no mundo com o made in México “Amores Brutos/Amores Perrosâ€) e é reprocessado como cinema de arte para consumo interno e externo. Por outro lado, “O Labirinto do Fauno†e “Filhos da Esperança†representam filmes com pedigree também espanhol, total ou parcial, que funcionam como híbridos capazes de agradar grandes públicos e crítica, com possibilidade de fazer mais sucesso no exterior do que na casa de Bush-filho. De qualquer forma, dinheiro é dinheiro não importa a cor, e sempre pode ser convertido em dólares.

Aqui no Brasil os negócios seguem na mesma linha, com estúdios se alinhando com produtoras independentes e sob o guarda-chuva da Globo Filmes na busca por um punhado de dólares. A tese de mestrado do jornalista e editor do filme B, Pedro Butcher, é bem interessante para entender como isso tudo se processa nas entranhas do Cine-BR (faça o download clicando aqui).


Da esquerda para a direita: Bob pai, Bob filho

Para o ano que vem, das duas uma:

1) ou deveriam encher o Kodak Theatre, eterna casa do Oscar, com versões-mirim de todos os convidados para que a coisa ganhasse espontaneidade, como quando Jaden Smith (o Will Smith em miniatura) e Abigail Breslin (a Pequena Miss Sunshine) subiram para apresentar um prêmio.

2) Ou deveriam colocar o Jack Nicholson, que já bate ponto todo ano, para dirigir o espetáculo. Com aquele jeito de quem pegou no armário o segundo melhor smoking, passou um lustre na careca e foi para o Oscar, ele sabe perfeitamente que, mesmo sendo exibida para o mundo todo, aquilo é uma festa de quintal para Hollywood. Ou melhor, que a festa de verdade vem é depois, nas disputadas recepções que se espalham por Los Angeles. A parte que as câmeras mostram é a menos interessante e divertida, ainda que a mais lucrativa, para todos que estão ali. Resumindo, é trabalho. E deveria ser feito melhor.

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