Jaspion e a volta de quem não foi (porque sempre esteve dentro do nosso coração)


O ano é 1988, a vida é simples. Você acha que em 2000 os carros vão voar, o programa mais legal da TV é o Clube da Criança, na TV Manchete, apresentado por Angélica. A atração que você mais gosta? O Fantástico Jaspion, o super-herói japonês, com um quê de Star Wars. Se você tem mais de 35 anos e está lendo este texto, eu tenho certeza de que você passou por isso e que quis ser o Jaspion.

Mas você é mais novo e está em 2020. Sabe que os carros não voam, a TV Manchete nem existe mais, e muito menos o Clube das Crianças, a Angélica tá na Globo e apresenta um programa chato. Bom, pelo menos Star Wars ainda existe, e claro, Jaspion também. Mesmo um pouco diferente da maneira que a gente conhecia.

Toku o quê? Isso é série!

Jaspion passou por aqui numa época em que tokusatsu nem se chamava tokusatsu (pelo menos não aqui no brasil). Era série, filme com episódios, desenho animado com ator real… sei lá, qualquer outra coisa, que fez a cabeça dos jovens da época. Não foi o primeiro tokusatsu a chegar por aqui e a ganhar destaque, nomes como Ultraman e Nacional Kid já tinham efeito história. Porém, deu um gás no gênero que cresceu muito durante os anos de 1990 com Changeman, Lyoman, Jiraya, Flashmen, Cybercop, Jiban, Maskman, Sharivan, Kamen Raiden, Power Ranger, e por aí vai. E muito além do gás, Jaspion se tornou o nome máximo do gênero aqui no brasil.

Diferente de alguns exemplos que citei, Jaspion não foi considerado um sucesso no Japão. Mas aqui o sucesso foi tanto que os 46 episódios pareciam render mais do que a série inteira de Greys Anatomy.

Com uma legião de fãs fiéis me admira muito que tenha demorado tanto para Jaspion retornar. Mas ele voltou.

Anunciado em 2018, a Editora JBC em parceria com a Sato Company (distribuidora brasileira que detém os direitos de Jaspion aqui no brasil) anunciou o lançamento do mangá nacional, O Regresso de Jaspion. Com o roteiro assinado por Fabio Yabu e os desenhos de Michel Borges (a dupla por trás de Combo Rangers). O álbum demorou um pouco para chegar, mas finalmente, foi lançado no início de novembro.

O 47º episódio

O Regresso de Jaspion é basicamente um episódio novo do seriado, porém em formato impresso. A HQ até começa com um resumo do último episódio da série, no melhor formato “no episódio anterior”.

O mangá mostra que Jaspion ficou mais de 30 anos fora do planeta Terra. Ele decide voltar depois que descobre uma profecia dizendo que Satan Goss retornará pelas mãos de um “falso salvador prateado”. Ou seja, pela interpretação, o próprio Jaspion.

Contextualizar o mundo atual com Jaspion foi o maior acerto para a história. Algumas falhas anacrônicas acontecem, como a aparência do Tarzan Galáctico, o bebezinho que Jaspion adota no final da série, e que deveria ter 30 anos no quadrinho, mas parece mais jovem.

Já que Jaspion é um alienígena, biologicamente para ele, esses 30 anos foram apenas 5. Assim, o personagem chega em 2020 com a mesma aparência e a mesmas brincadeiras imaturas que servem como alívio cômico. Enquanto isso, os coadjuvantes terrestres envelheceram. Tudo bem que de início isso gera uma estranheza, mas logo se acostuma e percebemos que o Jaspion do mangá é o mesmo da série.

O Japão do Jaspion é o nosso brasil

A HQ se passa em uma Japão de 2020 diferente da qual conhecemos. O fato de Jaspion ter saído da Terra no final dos anos de 1980, fez com que a imagem internacional do Japão mudasse. Eles passaram a ser tratados com desconfiança, considerado um país instável em que monstros costumavam invadir.

Desta maneira, o Japão foi isolado pela política internacional e sua população passou a crescer em um discurso de ódio (que também se espalhava em vários pontos do mundo). Além disso, o discurso era alimentado uma obsessão religiosa pela figura de Satan Goss. O vilão era considerado um salvador que, ao voltar, traria a soberania para o povo japonês (reparem como o Japão moderno do universo de Jaspion se parece muito com o brasil real, não é mesmo?).

Mas o roteiro só flerta com essas questões políticas, mas dá uma cutucada de leve no fundamentalismo religioso, quando Edin, o pai adotivo de Jaspion fala para o campeão da justiça se referindo a bíblia galáctica: “Você vai deixar mesmo uma pedra antiga definir a sua vida?”

Alfinetadas à parte, o roteiro está claramente mais preocupado em entregar uma história leve, que continuasse o legado de Jaspion para todas as idades. E olha que conseguiram, pois não precisa assistir a série ou ser fã de Jaspion para entender a história.

Mas claro, se você for fã, a nostalgia vai atuar de uma maneira bem efetiva.

Ah, na minha época

Utilizar a nostalgia para laçar fãs antigos sempre por ferramenta muito bem utilizada na cultura pop. As pessoas gostam de ser saudosistas, simplesmente porque resgatam no passado, uma época mais simples devido a menor idade, a alegria infanto-juvenil.

Yabu e Borges usam bastante a nostalgia como ferramenta (às vezes funciona, às vezes não). Quando funciona é certeiro, como a abertura da série apresentada logo depois do prólogo nas primeiras páginas. É impossível passar os olhos sem cantar a música. Ou mesmo na vinheta de chamada para o comercial, usada em uma virada de página (infelizmente foi só uma vez, no primeiro terço da história. Cabia, pelo menos, mais uma). Além disso, o retorno de vilões como a, agora velha, bruxa Kilmaza e uma versão zumbi do Macgaren são adições essenciais para a trama.

Porém, o uso excessivo da nostalgia torna a história maçante em determinado momento. Onde estava muito mais preocupada em reapresentar personagens da série que, na HQ, acabaram tendo uma participação pequena ou irrelevante. Claramente estavam lá por puro fan-service.

Mas entendo, O Regresso de Jaspion é uma HQ recente com um pé no passado e outro no agora. Importante para este personagem famoso aqui no brasil, que sobrevivia de reprises, sem nada novo. Mas quem sabe, se essa passada mudar e o pé for um pouco mais para frente, Jaspion fique mais interessante.

O Legado de Jaspion

O Regresso de Jaspion serviu para o personagem voltar, mostrar que ainda existe, que é exatamente o mesmo personagem de 35 anos atrás. Isso é extremamente importante para os fãs brasileiros. Mas admito, senti falta de uma abordagem mais moderna e ousada. Yabu e Borges jogam no seguro para não errar, trazendo nostalgia, contextualizando no mundo atual, mas sem nada de novo. O roteiro é um episódio da série oitentista e os desenhos são referenciados nos mangás da mesma época.

Que O Regresso de Jaspion não seja apenas um retorno pontual, mas sim, o início de uma nova etapa. Seria ótimo ver Jaspion em uma pegada moderna nos quadrinhos nacionais. Sendo desenhando por ilustradores com um estilo longe do mangá convencional. Escrito por roteiristas que levassem Jaspion para outros lugares, planetas, enfrentando outros seres, mostrando novas tecnologias.

Em 2017 isso quase aconteceu, o personagem foi referenciado pelo Gavan, no tokusatsu Space Squad, repaginado com uma nova armadura. Mas então, cadê esse possível novo Jaspion?

Bom, antes de anúncio do mangá da JBC, a Sato Company tinha anunciado a produção de um filme nacional do Jaspion. Isso mesmo: um filme do Jaspion feito no brasil, com o aval da Toei Company, dona dos direitos do personagem). Esse filme está andando em câmera lenta e sei lá se vai sair. Mas a fundação para esse edifício está sendo cavada, primeiro com o (quase) retorno de Jaspion no Japão, depois com o retorno dele no brasil.

Só espero que esse edifício não desabe com os efeitos visuais brasileiros, fruto de um baixo orçamento em cinema. Que o filme não esbarre em uma atuação noveleira. E que, um projeto promissor, não se torne uma bomba trash mal feita.

Que o poder da bíblia galáctica nos salve.

O cara tossiu

Tico Pedrosa é roteirista, escritor e fã de quadrinho desde sempre. Você pode conferir as ideias dele no instagram e twitter.


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