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Em uma cena durante o clímax de “Argo”, um dos resgatados pela missão-título tenta explicar ao guarda iraniano a história do filme (falso) para o qual eles estariam procurando locações no país. Só que ele conforma a trama à narrativa política local que levou ao golpe meses antes, hipnotizando seus algozes por alguns preciosos minutos.
Essa breve interação contém as duas ideias essenciais do longa de Ben Affleck. Uma é a do poder transcendente do cinema, capaz de transpor barreiras culturais e abrir diálogos improváveis, sendo algo mais que simples entretenimento. A outra é um dos provérbios mais antigos de Hollywood: “fake ‘til you make it” – e no final, se você tiver sorte, o público vai completar seu trabalho, vendo nele não o que você fez, mas o que ele quer ver.
Porque, sim, “Argo” é uma história real sobre um agente da CIA, Tony Mendez (Affleck), que resgatou seis diplomatas norte-americanos do Irã em 1980 inventando uma produção cinematográfica – com a ajuda de um maquiador, John Chambers (Goodman), e um produtor, Lester Siegel (Arkin). Mas é também, e talvez principalmente, uma ode metalinguística ao cinema e a uma Hollywood que não existe mais. Aquela dos anos 70, de filmes com personagens cujo pensar é tão importante quanto o agir, e que pretende ser algo mais que simples diversão na sexta à noite. O cinema do som de gente inteligente falando.
Para fazer jus a essa homenagem, Affleck referencia Alan J. Pakula (Todos os homens do presidente) nas cenas do escritório da CIA; a leveza de Sidney Pollack em “Tootsie” na sequência em Hollywood; e a confiança em um bom elenco digno de Sidney Lumet. O bom roteiro de Chris Terrio não gasta muito tempo desenvolvendo personagens, entrando direto na ambientação e contexto político da época. Então, o diretor-e-protagonista mostra como é benquisto em Hollywood, conseguindo a nata da TV norte-americana mesmo nos menores papéis (Bryan Cranston, Kyle Chandler, Tate Donovan, Zeljko Ivanek, Chris Messina) e confiando a eles caracterizações críveis, tanto física quanto psicologicamente.
Visualmente, Affleck reproduz o granulado dos anos 70 cortando os frames ao meio e ampliando-os para o tamanho normal. Mas a prova-mor de que ele realmente se tornou um dos diretores de mão e visão mais firme em Hollywood hoje vem na sequência-clímax que abre o terceiro ato. Cortando entre quatro eixos narrativos – o resgate no aeroporto, os agentes na CIA, o escritório de produção em LA e a inteligência iraniana se dando conta da operação em curso – Affleck cria uma das sequências mais tensas e bem amarradas do ano, mostrando que é possível envolver o público e fazer espetáculo sem dar um tiro ou usar um único frame de CGI.
“Argo” não é perfeito. O segundo ato é um pouco arrastado e o alcoolismo do protagonista sai do nada e vai para lugar nenhum. Mas o simples fato de relembrar e celebrar o cinema norte-americano quando ele ainda pensava merece todos os louros que ele (com certeza) receberá no futuro.
Uma resposta para “Argo”
“Esses não são os ‘droids’ que vocês estão procurando.”