HQs da Semana: 24 de outubro


Nossa avaliação

A durabilidade dos quadrinhos de super-heróis quase depende de os criadores encontrarem o difícil equilíbrio entre duas tendências contraditórias. De um lado, há o desejo por novidades que mantenham vivo o interesse do leitor. De outro lado, o conservadorismo do fã, que detesta mudanças e exige o direito de continuar consumindo a versão “icônica” do personagem dos tempos de criança que lembra com nostalgia.

A maioria dos roteiristas das grandes editoras americanas, como a Marvel e a DC, já tem as suas estratégias prontas para satisfazer essas exigências paradoxais, com truquezinhos como mudanças de uniformes, base de operações e elenco de coadjuvantes, tudo facilmente reversível no momento em que o autor “arruma a casa” para passar as chaves ao próximo inquilino, o roteirista que assumirá a revista após a sua saída.

“Avengers #32” é um ótimo exemplo disso. Com a saída do escritor Brian Bendis, que irá se aventurar na nova revista “All-New X-Men”, podemos notar uma “arrumação” forçada, com o status quo voltando a ser quase exatamente aquele que era quando Bendis assumiu a franquia dos Vingadores. A Feiticeira Escarlate, que havia enlouquecido, destruído a mansão da equipe, assassinado vários colegas e apagado os poderes de quase todos os mutantes do planeta, está de volta à equipe. Já não é mais louca, limpou o seu nome, ajudou a restaurar os poderes dos mutantes e os colegas que matou estão vivos, ressuscitados de diferentes maneiras. Lembram-se do Magnum, que Bendis transformou em um vião? Pois bem, ele está voltando a ser o que era. Até a Vespa, uma das vítimas do péssimo crossover “Invasão Secreta” está de volta. Ah, e a mansão foi reconstruída.

Parece, basicamente, que tudo está como antes. Tudo bem, o leitor sabe que os personagens não envelhecem, no final das contas. Super-heróis nunca têm mais de 30 anos, já que é preciso colocar suas caras em brinquedos. Ninguém quer ver rugas na Barbie, e muito menos no Batman. Até a morte, o mais drástico tipo de mudança, já virou piada no mundo das HQs dos super-heróis. Todo mundo sabe disso, mas ainda assim parece que fomos trapaceados. Para o leitor médio de HQs, que fica cada vez mais velho, e que acompanha as revistas publicadas pelas grandes editoras por causa das sagas que prometem novidades e mudanças, voltar à estaca zero é uma traição.

Bom, é aí que entra “Journey Into Mystery #645”. Pra quem não sabe, “Jornada para o Mistério” era como se chamava a clássica revista da década de 1960, onde estreou o herói Thor. Em 2010, foi revivida a partir da numeração antiga, e passou a servir como um título secundário do deus do trovão, concentrando-se em contar estórias com os habitantes menos famosos da cidade mitológica de Asgard. O roteirista responsável por essa nova fase de “Journey Into Mystery” é Kieron Gillen, e por dois anos ele contou a estória de “Kid Loki”, em um arco muito elogiado que se encerra na edição #645. E a edição final dói.

Gillen pegou um clichê (a versão “teen” de um herói ou vilão), e transformou em um ensaio metalinguístico sobre a impossibilidade de real mudança dentro dos quadrinhos de super-heróis. Loki é um deus preso no eterno ciclo de destruição e recriação do Ragnarok nórdico. E o que é pior, ele é o vilão, o que quer dizer que ninguém gosta dele. Sendo assim, através de algumas maracutaias, conseguiu que seu nome fosse retirado dos livros da morte, e conseguiu reencarnar como uma criança: otimista, relativamente inocente e cheia de potencial.

E durante os últimos dois anos Gillen conseguiu fazer com que nos importássemos com Kid Loki, ao fazê-lo superar desafios com uma mistura de irreverência juvenil e artimanhas – afinal, Loki é o deus da travessura. Gillen nos fez acreditar que Loki podia mudar.

Mas é claro que era mentira. E é aí que dói, pois apesar de nós, leitores, estarmos cansados de saber que o status quo sempre será restaurado no final da aventura, nós queríamos que, pelo menos uma vez, um garotinho ficcional vencesse a inércia criativa das grandes editoras. Que fosse vitorioso contra todas as probabilidades. Mas, como diz o velho Loki, “a casa sempre vence”. E todos nós saímos perdendo.

Mas é nossa também a pequena vitória de Kid Loki, que encerra o arco de dois anos cuidadosamente construído por Gillen. Apesar de estar prestes a ser reabsorvido por seu “eu” adulto, a desaparecer como se nunca tivesse existido, a ter um destino pior e mais irreversível que a morte (pelo menos para um personagem de quadrinhos), o menino sabe que venceu. E nós sabemos que vencemos, porque apesar de tudo voltar à estaca zero como se nada tivesse acontecido, a estória continua aqui. Nós a lemos, e vamos poder relê-la de novo, e de novo, e de novo. Kid Loki esteve aqui.


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