Pode um filme de super-herói provocar discussões políticas? Pode um personagem pop dos quadrinhos representar a tensão entre classes sociais distintas? Pode uma obra que a princípio deveria ser só mais uma diversão boba pra ser digerida com pipoca e refrigerante se apresentar de forma tão brutal?
Se eu contei que ao final de “Os Vingadores” o cinema era só aplausos e empolgação, após “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” o silêncio era mortal. Isso porque Christopher Nolan pegou os elementos de realismo e tensão que construiu nos dois primeiros filmes e os elevou ao extremo, construindo um épico sobre desilusão, dor e, claro, ressurgimento. Na ânsia por potencializar tudo o que já havia feito antes, o diretor comete erros com furos no roteiro, arcos previsíveis, um segundo ato mais arrastado do que o necessário e alguns novos personagens pouco desenvolvidos. Mas é impressionante como consegue manter o equilíbrio narrativo com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo e tanta gente em cena.
Uma das estratégias é usar a trilha de Hans Zimmer com um tema para cada personagem, facilitando para o público reconhecer os diversos arcos dramáticos. A outra é conseguir manter a coesão com os capítulos anteriores de sua trilogia sobre o cavaleiro das trevas, apresentando a resolução perfeita para tudo o que foi elaborado até ali. Oito anos após os eventos do último filme, Bruce Wayne aposentou sua fantasia de morcego e Gotham vive tempos de paz graças à lei Dent. Mas eis que o vilão Bane vai aparecer para pregar o caos e questionar a sociedade vigente.
Com referências à Revolução Socialista, à atual crise econômica, Occupy Wall Street e ao 11 de setembro, “Ressurge” é um filme sobre pontos de transição, a dificuldade em se escolher novos caminhos e alternativas (potentemente representada pelas pontes de Gotham destruídas e pelo chão de gelo rachado). São corpos fraturados que atravessam a tela, doentes, como as próprias estruturas da cidade e de seu sistema, que precisam se alicerçar para recuperar as forças de antes. No meio, um conflito edipiano na busca e luta contra os pais (além da atração de Bruce pela Selina Kyle que usa as mesmas pérolas que a sua mãe), decisões morais em diversas camadas e o confronto entre caos e ordem com ecos fascistas.
Christian Bale mantém a competência habitual, transitando do tocante para o raivoso com facilidade. Tom Hardy entrega um Bane assustador usando basicamente os olhos e movimentos corporais (já que as feições do rosto são tampadas pela mascara) e Anne Hathaway mistura charme, malícia e violência com sua Mulher-Gato. O elenco secundário é excelente, a ação empolga e a tensão vai num crescente que finalmente explode em um clímax que faz referências não apenas às hqs, mas também à série de tv dos anos 60.
Com “Ressurge” fica claro que a trilogia precisa ser compreendida como uma obra única, uma jornada que não diz de uma missão, mas de um homem. Neste sentido, o filme se aproxima muito mais de “O Poderoso Chefão – parte 3” do que de “O Retorno do Rei”. Não é um final empolgante, para fazer vibrar e sorrir. É um fim com cansaço, doloroso, quase um estudo de personagem.
Nolan tem a liberdade e a coragem de mostrar pouco o herói-título, e fazer um filme que não é sobre algo palpável, mas sobre um símbolo. Não é sobre Bruce Wayne, mas sobre Batman. Mas não o homem na fantasia. “Ressurge” é sobre a ideia do Batman, o ícone tão poderoso criado por Bob Kane em 1939 que permanece forte mesmo após tantos atores terem vestido seu manto e continuará assim após os filmes com Bale. É o Batman que serviu e serve de fantasia para tantas crianças e adultos. Aquele que um dia muitos de nós já quisemos ser. Não consigo pensar em uma homenagem maior ao personagem.
Pode um filme de super-herói entregar tanta coisa e provocar um nó na garganta ao final? “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” provou que pode. Obrigado Christopher Nolan.
5 respostas para “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge”
“Pode um filme de super-herói entregar tanta coisa e provocar um nó na garganta ao final? “Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge” provou que pode. Obrigado Christopher Nolan.”
Cara, discordo COMPLETAMENTE de cada palavra na sua crítica!! acho que vimos um filme diferente. O que eu vi tinha furos de roteiro do tamanho do Grand Canyon, coincidências bizarras, personagens que se teleportam da India para DENTRO DE UMA CIDADE SITIADA em menos de 6 horas… Sinceramente, fiquei MUITO decepcionado com o fechamento da trilogia. Gostaria de acreditar que esse foi o final que o estudio pediu, para não matar a galinha dos ovos de ouro.
Nunca vi um filme tão desprovido de coragem no final igual esse batman do nolan.
Concordo em partes com o rodrigo. Achei o filme bem inferior ao anterior. Muitos furos no roteiro. Mortes mal elaboradas…
Tantas cenas que poderiam ter sido cortadas para, no lugar, terem explicado como Bruce Wayne foi parar em Gotham, já que até então ele estava sem dinheiro, completamente quebrado, sem contato com Fox e em um país distante.
Claro que isso não retira os méritos que superam as falhas. Mas não torna o filme “épico” a ponto de ser comparado ao Poderoso Chefão???!!!!
Amigo, para ser comparado ao Poderoso Chefão (mesmo que a parte 3), qualquer filme de super-herói (falo isso como fã incondicional da nona arte) tem que suar muito a camisa.
E O Retorno do Rei??? Sério???
Só faltou querer comparar o filme do Batman a Cidadão Kaine, Crepúsculo dos Deuses, Lawrence da Arábia etc. Pois se tentou comparar ao Poderoso Chefão…
Aí não dá
Cara, bela crítica! Parabéns!
[…] que a Warner poderia fazer com o personagem (interpretado por Joseph Gordon-Levitt no filme “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”), como uma versão mais realista do Robin e responsável por continuar o legado de Bruce Wayne […]
[…] no mundo de hoje, quando passamos por uma crise parecida com a dos anos 30? Sob a batuta de Christopher Nolan, o diretor Zack Snyder aparece muito mais contido do que de costume, apostando no realismo para […]