Vivemos em um país violento. E não falo da chamada “polarização” política. Essa divisão partidária e a pandemia só intensificaram o que muitos tem de pior. Mas acredito que a coisa mais preocupante dessa violência é como ficará as novas gerações. Qual será o reflexo nas crianças que estão sendo criadas no berço do extremismo? Bem, DW Ribatski mostra em Como na Quinta Série, exatamente o que pode acontecer na infância quando convivemos com a brutalidade, sobrando para a fase adulta apenas mais brutalidade.
Foda
Como na Quinta Série foi uma HQ lançada em 2013 pela Balão Editorial, pelo selo Coleção Zug. Assinada pelo quadrinista brasileiro DW Ribatski, conta a história de Dimas, um policial recém integrado a uma divisão chamada F.O.D.A., uma força especial que cuida de rodovias. Em uma de suas primeiras missões, o homem tem contato com um garoto que o faz lembrar de sua infância.
Na missão, Dimas e outros policiais precisam deter um grupo de jovens que ficam na beira da estrada usando drogas. Ao fazer a abordagem, um dos garotos, seja por ironia, cinismo ou burrice mesmo, faz uma brincadeira boba, como uma criança na quinta série, e dá um tapa na cara de Dimas.
Esse jovem, um garoto com policoria, ou seja, com duas córneas em um olho, é detido e levado até a delegacia.
Orra, Dimas! Não deixava!
Depois de levar o garoto com duas córneas para a delegacia, Dimas começa a reviver diversos momentos de sua infância e adolescência cheia de violência. Provavelmente, a pior delas, no ambiente escolar, onde recebia bullying e era, frequentemente, instigado a brigar.
“Violência gera violência”, dizem. Acredito que sim. Mas não acredito que a resposta de tal violência seja sempre imediata. Um soco recebido hoje, pode acertar o rosto de outra pessoa anos depois. E claro, não existe apenas violências físicas, as psicológicas e as emocionais também ficam guardadas. Armazenadas dentro de uma panela de pressão que um simples gatilho faz soltar.
Claro, esse gatilho pode vir de uma vez só, como em Um Dia de Fúria, filme de 1993, dirigido por Joel Schumacher (sim, o mesmo dos batmamilos). Mas, a violência pode vir diferente, pode ser pequenos gatilhos diários que podem trazer irritações extremas a ponto de agredir filhos, esposas, amigos, porteiros, trabalhadores da limpeza, entre outros.
Cheira aqui!
A nossa cultura de violência, principalmente pautada em uma masculinidade tóxica traumatiza muitas pessoas diariamente. Traumas esses, que muitas vezes, nem são sentidos e nem percebidos porque simplesmente já faz parte do modos operandi da vida.
Modos operandi que fez a maioria dos eleitores em 2018 relativizar discursos de ódio, que minimiza mortes de LGBTs, e que normaliza o racismo estrutural. Mas tudo é violência, e tudo faz parte de um ciclo de ensinamentos que as novas gerações vão consumindo e passando para frente em uma corrente que parece não ter fim.
Dimas, para sobrepujar toda a violência que passou, ele buscou institucionalizá-la. Entrou na polícia justamente para ficar acima e praticar a tal violência. Porém, suas escolhas foram colocadas em xeque quando levou o tapa.
Brutal
Depois que o garoto é detido e interrogado, nada mais resta do que espancá-lo até a morte. Já que, claro, quem sentiria falta de um jovem maconheiro em beira de estrada. Porém, o resultado de Como na Quinta Série está longe de mostrar apenas a brutalidade gratuita da força policial. No ponto alto do clímax desta HQ curtinha, percebemos a bagunça na mente de Dimas ao perceber como a violência é um grande muro de um beco sem saída.
Não dá para ser melhor do que alguém aos berros, não dá para mostrar maturidade impondo seu tamanho (seja altura, potência do carro, importância de um cargo, patente ou até mesmo tamanho da genitália). Porque a violência transborda, só resta o fim.
Olhemos para nosso brasil. A sensação não é justamente essa? De que nada melhora? De que estamos num beco sem saída e absolutamente nada de bom realmente acontece. Esse é o reflexo das escolhas. E agora pergunto, quantas infâncias ainda vamos traumatizar até termos coragem de pisar no freio, dar um passo para trás e entender que grandeza de verdade é a vulnerabilidade?
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Tico Pedrosa é publicitário, roteirista, escritor, professor e criador de conteúdo. Fã de quadrinho desde sempre. Você pode conferir as ideias dele no instagram e twitter.
Uma resposta para “Da infância para a violência”
[…] o final é sempre pessimista. Escrevi aqui no Pílula sobre as outras obras, Todo Mundo é Feliz, Como na Quinta Série, Pobre Marinheiro e […]