Spider-Man: Far from Home (2019) | |
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Direção: Jon Watts Elenco: Tom Holland, Samuel L. Jackson, Jake Gyllenhaal, Marisa Tomei |
Por trás de toda a estripulia visual típica dos filmes da Marvel, existe uma proposta interessante em “Homem-Aranha: Longe de Casa”: o filme é, na verdade, um confronto entre o herói aracnídeo vs. o mundo das fake news e da pós-verdade. Se do lado de cá da tela, a ideia de “fazer jornalismo” foi substituída pela de “produzir conteúdo”, e as pessoas constroem suas próprias “stories” e versões da realidade em suas redes sociais, do lado de lá, no (atualmente gigante) universo Marvel, o planeta é habitado por super-heróis, aliens, desaparecimentos e reaparecimentos mágicos, o que torna cada vez mais difícil discernir o que é real e o que é pura balela.
Com isso, o longa do diretor Jon Watts (o mesmo do “Aranha” anterior) tenta questionar como um mundo povoado por heróis, vigilantes e justiceiros afeta a ideia do que é justiça, o que é certo, quem é bom ou ruim, e qual a forma correta de executar esses ideais. E só não chega a ser um grande filme porque não ousa realmente se aprofundar nas implicações dessa segunda questão do lado de cá da tela (para isso, veja a última temporada de “Jessica Jones”). Afinal, trata-se de mais uma produção Marvel, que nunca deseja ser mais que mero entretenimento escapista.
Ainda assim, “Longe de Casa” é infinitamente superior ao seu antecessor. Diferente de “De Volta para Casa”, o novo capítulo troca a esquizofrenia hiperativa youtuber e um desejo forçado de ser moderninho por um charme adolescente que realmente funciona, com um roteiro que desenvolve um pouco mais outros personagens que não Peter Parker e que assimila melhor o humor típico do selo Marvel ao contexto colegial do personagem.
A trama se desenrola durante uma viagem de férias de Peter (Tom Holland) e sua classe à Europa. Lá, ele é surpreendido pelo ataque de “Elementals”, monstros de outra dimensão, e precisa se unir a Nick Fury (Samuel L. Jackson) e a Quentin Beck (Jake Gyllenhaal), vulgo Mysterio, recém-chegado de uma dessas dimensões paralelas, para derrotá-los.
Só que essa premissa é virada do avesso por uma reviravolta central cuja surpresa merece ser preservada. E por mais que ela suscite as questões mais interessantes do filme, o roteiro de Chris McKenna e Erik Sommers insiste tanto em quebrar expectativas e na ideia de que nada é o que parece – num universo (Marvel) onde tudo é possível, nada é confiável ou real – que eventuais furos de roteiro são efeitos colaterais inevitáveis das muitas guinadas da trama.
Os dois roteiristas tentam fazer uma releitura mais “realista” do conceito de múltiplas realidades apresentada no oscarizado “Homem-Aranha no Aranhaverso”. E mesmo que o resultado não seja tão original ou criativo (menos ousadia e mais o feijão com arroz da Marvel), Jon Watts pega emprestado a inventividade visual da animação para algumas das sequências de ação de “Longe de Casa”, que rendem os melhores momentos visuais da produção.
O forte do longa, no entanto, não são essas lutas e explosões. Elas não passam muito do mais do mesmo e só reincidem no estranho desejo do cinema hollywoodiano de ir para a Europa explodir e destruir alguns dos locais mais bonitos do mundo gratuitamente – como um dos personagens diz a certa altura, ninguém vai pensar na gravidade e nas consequências dessa pilhagem “se o herói vencer no final”. “Longe de Casa” funciona graças a um certo charme adolescente johnhughesiano, com os romances de Peter e seu melhor amigo Ned (Jacob Batalon) com MJ (Zendaya) e Betty Brant (Angourie Rice), respectivamente, divertindo e convencendo graças ao bom trabalho do elenco.
MJ, aliás, finalmente começa a ganhar alguma personalidade (ainda que não muita) neste filme, dando a Zendaya bem mais o que fazer do que no longa anterior e ajudando a relação dela com o protagonista parecer menos forçada. Jon Watts e seus roteiristas, porém, continuam sem saber o que fazer com a tia May, desperdiçando a boa Marisa Tomei em cenas absolutamente desnecessárias.
Mas no fim, “Longe de Casa” continua centrado e alicerçado no amadurecimento e na definição da identidade de Peter – e, consequentemente, no talento e no carisma de Tom Holland. A crise e a indefinição vividas pelo protagonista – após a morte de Tony Stark, a tentativa de equilibrar sua vida adolescente e as responsabilidades do Homem-Aranha e com os hormônios à flor da pele devido à paixão por MJ – são representados pelos vários uniformes diferentes que ele utiliza durante o filme. Peter segue tentando descobrir quem ele é – e parece estar chegando lá aos poucos, assim como essa nova encarnação do bom amigo da vizinhança.