Rocketman (2019) | |
---|---|
Direção: Dexter Fletcher Elenco: Taron Egerton, Jamie Bell, Richard Madden, Bryce Dallas Howard |
Há uma cena, aproximadamente aos 30 minutos de “Rocketman”, em que um personagem tira Elton John (Taron Egerton) do armário em uma mesa de bar – algo bastante violento para qualquer pessoa que ainda não se assumiu. A reação de todos ao redor, no entanto, é que eles já sabiam, ou que aquilo não importa. No filme do diretor Dexter Fletcher, a homossexualidade do cantor inglês não é um problema, uma vergonha, uma culpa ou um obstáculo.
E a raiz do que torna a cinebiografia do astro pop infinitamente superior a “Bohemian Rhapsody” (que Fletcher também codirigiu) está aí: “Rocketman” não tem medo de ser queer, espalhafatoso, espetaculoso e extravagante. De abraçar a energia, a sexualidade e a personalidade over de seu protagonista em uma produção bazluhrmaniana que beira o camp. O que se traduz especialmente na linguagem artificial do musical, com os personagens cantando as músicas para conduzir a história. E esse talvez seja o principal diferencial em relação à obra sobre Freddie Mercury: no longa de John, as canções são usadas em função do filme; na produção do Queen, o filme existe em função das músicas.
A partir de um dispositivo narrativo em que Elton John recorda sua vida durante uma sessão de terapia em grupo de uma clínica de reabilitação, “Rocketman” retrata a jornada do cantor desde a infância como o pianista-prodígio Reggie Dwight até o auge da fama, do sexo e das drogas. O que não significa que o (bom) roteiro de Lee Hall (“Billy Elliot”) não tenha um foco. O que interessa a ele e a Fletcher é mostrar como a relação distante e fria e a negligência emocional dos pais (Bryce Dallas Howard e Steven Mackintosh) fizeram o pequeno Reggie acreditar que nunca seria amado por – ou digno do amor de – ninguém. E como a criação da persona “Elton John” – alguém que todos amam, admiram, consumem, querem – é uma direta resposta a isso.
Só que, quanto mais Elton é globalmente amado e idolatrado, mais o protagonista se convence de que ninguém gosta de quem ele realmente é – e mais se odeia por isso. E os figurinos espalhafatosos, recriados à perfeição por Julian Day (também de “Bohemian”), assim como a persona extravagante no palco, revelam-se como uma máscara, e uma armadura, que ele cria para esconder (e proteger) Reggie, esse garotinho carente e inseguro negligenciado por todos.
Não por acaso, a relação central de “Rocketman” é a do cantor com seu compositor Bernie Taupin (Jamie Bell). Já em sua primeira cena juntos, o letrista consegue em poucos minutos fazer o protagonista se sentir à vontade o bastante para revelar seu verdadeiro nome. E durante todo o filme – num espelho invertido do relacionamento amoroso abusivo do astro com seu empresário, o oportunista John Reid (Richard Madden) – Bernie vai ser o único realmente capaz de enxergar o “homem por trás do mito”. E, não por coincidência, traduzir a dor e a genialidade de Elton em hits como “I Want Love”, “Your Song” e a epônima “Rocketman”.
Cada uma dessas canções (junto com clássicos como “Tiny Dancer”, “Benny and the Jets” e “Don’t Go Breaking my Heart”) são usadas em momentos-chave do longa para revelar o estado emocional do protagonista. E não é só por realmente cantar – e bem – todas elas que a performance de Egerton é o maior destaque da produção. O ator constrói um personagem, e não uma mera mímese, e encarna em cada cena a dor, o carisma e a insegurança de Elton John, ao mesmo tempo cativando o público e mostrando a ele a diva explosiva e desagradável que o músico podia ser.
Curiosamente, porém, esse uso narrativo do repertório do cantor pode frustrar quem tiver expectativas, criadas por “Bohemian Rhapsody”, de um grande “concerto ao vivo”. “Rocketman” é um filme, e não um show ou uma desculpa para ouvir o catálogo de hits de Elton John, disponível no Spotify. Para um longa que abraça alguns dos aspectos mais camps do musical, a maior falha da cinebiografia é a ausência de um grande momento apoteótico, ou um número realmente explosivo – o mais próximo que ele chega disso é a boa sequência da canção que dá título à produção. A obra de Fletcher prefere se manter um estudo de personagem mais intimista, deixando que o maior momento musical de Elton John no cinema permaneça o uso de “Tiny Dancer” em “Quase Famosos” – o que não é necessariamente ruim.