Birdman or (The Unexpected Virtue of Ignorance) (2014) | |
---|---|
Direção: Alejandro G. Iñárritu Elenco: Michael Keaton, Emma Stone, Kenny Chin, Jamahl Garrison-Lowe |
22 anos depois de fazer o Batman pela última vez, Michael Keaton tenta uma ressurreição de sua carreira como ator “sério” em um filme do Alejandro González Iñarritu. Troque Keaton por Riggan, Batman por Birdman e filme do Iñarritu por peça do Raymond Carver que você terá uma ideia do exercício de metalinguagem que é “Birdman (ou a Inesperada Virtude da Ignorânicia)”. Acrescente o difícil Edward Norton fazendo um ator difícil e várias referências à indústria de cinema atual para que o filme seja entendido de vez como muito mais do que um simples estudo de personagem.
Iñarritu mistura o já citado Batman com “Crepúsculo dos Deuses”, Hitchcock, “César Deve Morrer” e Jorge Luis Borges para entregar um estudo da arte de representar e da necessidade de fazer do mundo um palco para conseguirmos sobreviver. “Birdman” usa o exemplo extremo de Riggan para mostrar a luta constante do ego na busca pela própria identidade, mas toda a metalinguagem do filme já é uma dica que esta discussão está longe de ser só ficcional. Ela diz de todos nós.
Criamos personagens para cada situação em que nos encontramos, conversamos com nós mesmos para tomar decisões, às vezes nos sentimos o máximo e às vezes nos sentimos péssimos. E quase sempre a fantasia – seja no cinema, no teatro, na literatura, na TV ou na nossa própria imaginação – serve como escape para a angústia do dia a dia. Em uma sociedade pós-moderna de tantas possibilidades de consumo, desejo e comparação, tanta coisa pode levar a uma solidão do eu e a tentativa de descobrir quem somos de verdade. Neste sentido a escolha de um personagem que tem como profissão ser outras pessoas é perfeita para o que o roteiro propõe.
Por falar em atores, Michael Keaton está assombroso como Michael Keat… quer dizer, Riggan Thomson, e suas mudanças de humor são sutis e hipnotizantes enquanto acompanhamos os altos e baixos de sua mente. O elenco todo permanece no mesmo nível de atuação, com destaques para Norton, Emma Stone, Naomi Watts e Andrea Riseborough em longas cenas que variam do humor patético ao drama profundo.
O diretor chama demais a atenção para si mesmo e para sua técnica com um pretenso plano sequência de duas horas, mas a estratégia funciona para a história de várias maneiras: a mais óbvia é brincar com o “ao vivo” do teatro e a mais estrutural é passar o ponto de vista de um delírio constante de Riggan, a partir de uma mente que não para nunca. Mas a mais interessante é pensar no próprio ego de Iñarritu que quer se mostrar – assim como seu personagem – alguém talentoso, cheio de firulas narrativas para recuperar o prestígio da crítica (uma das vilãs da história).
O filme é, assim, um agridoce de realismo fantástico cheio de camadas e sentidos variados que à primeira vista deve agradar mais a cinéfilos e artistas. Mas não se engane: o teatro e o cinema estão ali apenas como desculpa para dizer de sentimentos universais que concernem a todos nós. E é o que “Birdman”, como toda obra de arte, faz.