Nymphomaniac: Vol. II (2013) | |
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Direção: Lars von Trier Elenco: Charlotte Gainsbourg, Stellan Skarsgård, Stacy Martin, Shia LaBeouf |
“Essa foi uma de suas digressões mais fracas” diz, a certo momento, Joe para seu interlocutor Seligman. A frase é a dica que faltava para esclarecer que Lars von Trier está tirando um sarro (ui!) da cara de todo mundo que leva as metáforas neste seu filme muito a sério. “Ninfomaníaca – Vol. 2“ é mais irônico e, principalmente, mais sádico do que sua primeira parte. Agora sim o diretor parece à vontade em seu território de dor e sarcasmo, e o resultado é uma obra muito melhor do que a anterior.
Este volume 2 desconstrói o volume 1 e seus simbolismos rasteiros, tratando-os como aquilo que são: verbetes de enciclopédia superficiais para explicar a sexualidade. Logo no início é feita uma revelação a respeito de Seligman que o coloca como o oposto exato de Joe: instinto puro e razão pura. E é esta racionalização extrema que no fim das contas “Ninfomaníaca” está criticando. A mesma racionalização do personagem que tornava a primeira parte tão cansativa.
O diretor parece ter estruturado uma obra sobre sexo que na verdade é sobre si mesmo e suas polêmicas (especialmente aquela envolvendo nazismo). “Ninfomaníaca – Vol. 2” é uma cutucada das mais insistentes no politicamente correto. Sua crítica à moralidade moderna fica clara na cena do grupo de ajuda, um momento de virada da história quando percebemos que o filme é um tratado sobre a hipocrisia. Von Trier não quer investigar uma doença, pois para ele qualquer teorização – ou digressão como as de Seligman – é vazia e inútil frente aos sentimentos e instintos de uma pessoa.
Então, ao invés de atirar para todos os lados com pescarias, Fibonacci e vegetação, ele mira num único alvo: cristianismo. A moral cristã está no pacote hipócrita que transforma instintos naturais em pecado e a sexualidade é mostrada como uma força da natureza que a razão humana tenta domar. O filme brinca com isso ao juntar êxtase e sacrifício a partir do masoquismo encontrado no escritório de K (Bell), em uma nada sutil relação com as chibatadas recebidas por Jesus. O êxtase da fé e o sacrifício dos santos é como o orgasmo pela dor, que é proibido pela mesma moralidade que o exalta no altar religioso. Com uma narrativa mais focada, nossa identificação com Joe se torna natural, e finalmente nos importamos com ela.
Mas tudo isso é trabalhado com uma ironia doentia, que acompanha a vida adulta da personagem principal até o momento em que é encontrada no início do filme anterior. Lars von Trier é um sádico, e aproveita o fato de não precisar apresentar os personagens para se concentrar nos sofrimentos de Joe, divertindo-se com o incômodo de cenas inacreditáveis como o ménage à trois ininteligível.
Mas o ritmo não é perfeito, e a história perde muito quando P (Goth) entra em cena. Apesar de importante para o desenrolar final, a presença da garota quebra o crescente de complexidade que a investigação sobre a vida de Joe vinha construindo até aí. Ao final, há ainda um esboço de um discurso feminista e parece que a discussão vai mesmo ficar na forma como encaramos o que não se encaixa em nossas verdades pré-definidas.
Mas von Trier não decepciona e trata logo de dar um último tiro contra a hipocrisia.
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