RoboCop (2014) | |
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Direção: José Padilha Elenco: Joel Kinnaman, Gary Oldman, Michael Keaton, Abbie Cornish |
Dirigido pelo brasileiro José Padilha (de Ônibus 174 e da série Tropa de Elite), “RoboCop” é uma ótima ficção científica. O curioso, dado o pedigree do diretor, é que o remake da obra de Paul Verhoeven dos anos 80 não é um filme policial lá muito bom.
O lado “Robo” é onde ele se destaca, e onde as diferenças em relação ao original são mais positivas. Aqui a transformação do policial Alex Murphy no policial ciborgue do título é mais detalhada e gradual, além de apresentada de maneira mais plausível. Não é a transformação quase instantânea de um agente da lei gravemente ferido em uma máquina de combate ao crime sem sentimentos, e sim a história trágica de como um homem de família se torna a marionete de uma grande corporação e, aos poucos, vai perdendo sua humanidade para atender a interesses políticos e comerciais. Nesse aspecto, o “clima” do novo filme é outro: ao invés de mostrar a comovente recuperação da identidade pelo herói-robô, como no original, ele foca na perda gradual dessa identidade, o que dá ao remake um caráter mais sombrio.
Já no seu lado “Cop” o filme deixa muito a desejar, contando com uma subtrama que envolve clichês como tiras corruptos, um mafioso intocável e um parceiro fiel, tratada de maneira rasa e burocrática. O atentado que põe Alex às portas da morte é anticlimático, assim como o confronto do herói com seu “assassino”, servindo apenas para avançar o outro lado da história, o conflito entre RoboCop e a OCP, a corporação maligna que o criou.
As cenas de ação são em geral enfadonhas, consistindo em pouco mais do que longos e barulhentos tiroteios, sem uma gota da sangueira que fazia do original um filme tão transgressor – pelo menos para as crianças da época. A única sequência de luta que empolga é a em que o herói tenta invadir um certo edifício guardado por robôs, onde aprendemos que ele pode fazer mais do que apenas atirar como uma máquina e ainda é capaz de soluções criativas bastante humanas.
Enquanto o filme de Verhoeven apresentava um futuro quase distópico – com uma Detroit decrépita dominada pelo crime – e com isso tratava de temas como direitos civis e trabalhistas e a dominação do espaço público por interesses privados (todas questões ainda muito atuais, e de apelo praticamente universal), o remake de José Padilha aborda problemas mais pertinentes à situação atual dos Estados Unidos: o uso de drones para substituir soldados levado à sua conclusão lógica e o consequente sacrifício da liberdade individual em prol da segurança. Se a abordagem do remake é mais restrita, por outro lado os perigos que ela aponta são muito mais imediatos, já que o mundo do novo RoboCop é perturbadoramente parecido com o mundo atual. O comentário político fica por conta de Samuel L. Jackson, que incorpora o apresentador de TV demagogo e conservador Pat Novak, do tipo Datena que existe em todo país. Ao contrário de “Tropa de Elite”, em que o público tendia a se identificar com o Capitão Nascimento apesar de sua ética extremamente problemática, aqui Padilha se assegurou de que os argumentos questionáveis de Novak fossem sempre sublinhados com o tom histérico e a expressão neurótica que Jackson faz bem.
Mas o destaque do filme é certamente Gary Oldman, que dá vida ao Dr. Dennett Norton, o cientista responsável pela criação do corpo ciborgue do herói. Provavelmente o personagem mais complexo em cena, Norton transmite compaixão mesmo quando adota as atitudes mais nefastas e praticamente vende a alma ao presidente da OCP (interpretado por Michael Keaton), a fim de garantir financiamento para a sua pesquisa sobre próteses para amputados. Joel Kinnaman, que ficou com o papel principal, também ficou com o trabalho mais fácil, já que seu personagem é quase um robô durante boa parte do filme. Mesmo assim, ele consegue imprimir emoção suficiente ao seu drama familiar para refutar a lógica política de seus inimigos com sua tragédia pessoal.
Essa é, no entanto, a grande limitação do filme: o discurso dos vilões é mais rejeitado porque interfere na ligação do herói com sua esposa e filho, do que por suas próprias falhas. Não se questiona, por exemplo, a validade da atuação do ciborgue como juiz, júri e executor, nem o estado de vigilância em que a sua existência coloca o povo de Detroit. A “eficiência” de RoboCop é algo que o filme parece julgar que seria desejável, não fosse o fato de vir às custas da alma de um homem “de bem”.