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Desde a declaração da independência (ou talvez antes disso), tudo no Brasil sempre muda para que as coisas continuem as mesmas. Com a sutileza, o humor e o olhar clínico típico de seu cinema, o pernambucano Kléber Mendonça Filho faz uma reflexão quase documental sobre essa nossa pedra fundamental em “O som ao redor”, sua ótima estreia na direção de longas de ficção.
O filme começa com imagens de um terreno de um antigo engenho no Recife que se transforma até chegar a uma típica vizinhança “zona sul” contemporânea. A partir daí, acompanhamos o dia a dia de seus moradores – quase como um Big Brother com cérebro – que serve de espelho para os principais vícios da classe média brasileira: a paranoia com segurança e as grades que mais aprisionam do que protegem, o egoísmo patológico disfarçado de reclamação indignada e a hipocrisia preguiçosa e reacionária.
Mendonça Filho e seu ótimo elenco encenam esse cotidiano com um humor que lembra Eduardo Coutinho (especialmente “Edifício Master”). Enquanto isso, sua câmera se alterna entre amplos planos gerais e super closes: o micro das inter-relações pessoais é informado pelo ambiente em que os personagens habitam, ao mesmo tempo em que é um sintoma das macro relações que o definem. Essa ideia do “som ao redor”, o barulho que permeia o filme todo e denota a presença do outro que nos define e nos intimida ao mesmo tempo, é o cerne audiovisual do longa.
A cena da reunião de condomínio é um dos melhores retratos recentes da classe média pseudo-progressista brasileira (“Não queria dizer nada, mas tenho recebido minha Veja fora do saco plástico” é minha frase favorita do ano). E não só porque mostra o pior do seu reacionarismo arraigado. Mesmo o quase-protagonista João, que serve em momentos como uma bússola moral do filme, representa a apatia egoísta da juventude, abandonando a votação da demissão do porteiro para ir trepar com sua peguete.
Indo mais além, as relações retratadas – especialmente dos condôminos com as empregadas e os seguranças – trazem o ranço da escravidão que não conseguimos expurgar. Ter alguém que cozinhe, limpe seu banheiro e proteja sua terra continua sendo a necessidade básica do sinhozinho. E a cena de João com a nova empregada, filha da anterior, e a filha dela já ali esperando para assumir o posto no futuro, é desconfortável e constrangedora porque você vai se ver nela. Da mesma forma, Francisco, o coronel “dono de quase toda a rua”, lida com os seguranças como quem comanda seus jagunços.
Para entender como Mendonça Filho olha para isso tudo, porém, a sequência chave é quando João e a namorada Sofia visitam o velho cinema em ruínas do engenho de Francisco. A encenação e a trilha são um comentário metalinguístico sobre como o cinema (o pensamento, cada vez menos valorizado e mais perseguido) é o registro que permite que essas diferentes temporalidades coexistam – não por acaso, logo em seguida João e o avô se banham na cachoeira lado a lado. Ele capta essas imagens, físicas e simbólicas, e ao dar sentido a elas serve como uma crônica histórica que diz muito de quem nós (Brasil) somos.
“O som ao redor” é o registro de uma mentalidade que permeia a sociedade brasileira desde seus primórdios. Em 50 ou 100 anos, quando pesquisarem como e o que éramos hoje, o filme do cineasta pernambucano vai ser um dos documentos mais fiéis. E isso sendo mais engraçado que todas as comédias do cinema nacional dos últimos anos juntas.
3 respostas para “Indie 2012 – O som ao redor”
Onde eu encontro o filme?
Já procurei na internet e não achei.
Já foi pros cinemas.
Ei Omar, o filme foi adquirido pela Vitrine, uma distribuidora nacional nova aí no mercado. No site deles ainda não tem uma data específica de lançamento, mas não deve demorar muito. Fique de olho: http://www.vitrinefilmes.com.br/site/?page_id=17