Indie 2012 – O som ao redor


Nossa avaliação

[xrr rating=4.5/5]

Desde a declaração da independência (ou talvez antes disso), tudo no Brasil sempre muda para que as coisas continuem as mesmas. Com a sutileza, o humor e o olhar clínico típico de seu cinema, o pernambucano Kléber Mendonça Filho faz uma reflexão quase documental sobre essa nossa pedra fundamental em “O som ao redor”, sua ótima estreia na direção de longas de ficção.

O filme começa com imagens de um terreno de um antigo engenho no Recife que se transforma até chegar a uma típica vizinhança “zona sul” contemporânea. A partir daí, acompanhamos o dia a dia de seus moradores – quase como um Big Brother com cérebro – que serve de espelho para os principais vícios da classe média brasileira: a paranoia com segurança e as grades que mais aprisionam do que protegem, o egoísmo patológico disfarçado de reclamação indignada e a hipocrisia preguiçosa e reacionária.

Mendonça Filho e seu ótimo elenco encenam esse cotidiano com um humor que lembra Eduardo Coutinho (especialmente “Edifício Master”). Enquanto isso, sua câmera se alterna entre amplos planos gerais e super closes: o micro das inter-relações pessoais é informado pelo ambiente em que os personagens habitam, ao mesmo tempo em que é um sintoma das macro relações que o definem. Essa ideia do “som ao redor”, o barulho que permeia o filme todo e denota a presença do outro que nos define e nos intimida ao mesmo tempo, é o cerne audiovisual do longa.

A cena da reunião de condomínio é um dos melhores retratos recentes da classe média pseudo-progressista brasileira (“Não queria dizer nada, mas tenho recebido minha Veja fora do saco plástico” é minha frase favorita do ano). E não só porque mostra o pior do seu reacionarismo arraigado. Mesmo o quase-protagonista João, que serve em momentos como uma bússola moral do filme, representa a apatia egoísta da juventude, abandonando a votação da demissão do porteiro para ir trepar com sua peguete.

Indo mais além, as relações retratadas – especialmente dos condôminos com as empregadas e os seguranças – trazem o ranço da escravidão que não conseguimos expurgar. Ter alguém que cozinhe, limpe seu banheiro e proteja sua terra continua sendo a necessidade básica do sinhozinho. E a cena de João com a nova empregada, filha da anterior, e a filha dela já ali esperando para assumir o posto no futuro, é desconfortável e constrangedora porque você vai se ver nela. Da mesma forma, Francisco, o coronel “dono de quase toda a rua”, lida com os seguranças como quem comanda seus jagunços.

O velho e o novo, tudo igual, tudo (não) muda. Só a água.

Para entender como Mendonça Filho olha para isso tudo, porém, a sequência chave é quando João e a namorada Sofia visitam o velho cinema em ruínas do engenho de Francisco. A encenação e a trilha são um comentário metalinguístico sobre como o cinema (o pensamento, cada vez menos valorizado e mais perseguido) é o registro que permite que essas diferentes temporalidades coexistam – não por acaso, logo em seguida João e o avô se banham na cachoeira lado a lado. Ele capta essas imagens, físicas e simbólicas, e ao dar sentido a elas serve como uma crônica histórica que diz muito de quem nós (Brasil) somos.

“O som ao redor” é o registro de uma mentalidade que permeia a sociedade brasileira desde seus primórdios. Em 50 ou 100 anos, quando pesquisarem como e o que éramos hoje, o filme do cineasta pernambucano vai ser um dos documentos mais fiéis. E isso sendo mais engraçado que todas as comédias do cinema nacional dos últimos anos juntas.


3 respostas para “Indie 2012 – O som ao redor”

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