Dor, dor e mais dor… esse continua sendo o combustível da nave espacial que transporta Jason Pierce, codinome J. Spaceman, ao espaço a cada novo álbum de sua banda, o Spiritualized.
Em toda a discografia do grupo inglês, baseada em fusões de space-rock, soul e gospel, a sensação é de uma constante tentativa de escapar da dor, que de tão grande, leva a uma fuga do próprio planeta Terra. Como numa viagem kubrickiana, o Spiritualized se envereda por uma empreitada exterior que, na verdade, diz respeito às inquietações e buscas internas que parecem não ter fim.
O “Huh?” que estampa a capa do sétimo lançamento da banda, “Sweet Heart Sweet Light”, vem, justamente, nesse sentido. A mínima interjeição de espanto, que fica no meio do caminho entre o silêncio estupefato e a fala sem sentido, ilustra o assombro perante a descoberta que, por fim, acaba complicando mais do que esclarecendo. E a dor que levou à fuga retorna, misturando deslumbramento à antiga frustração.
No entanto, nada chega a ser tão surpreendente em “Sweet Heart Sweet Light”. O Spiritualized continua visitando os mesmos destinos, numa galáxia muito, muito distante. Felizmente, são lugares que ainda têm o que se ver (ou se escutar).
O ritmo lento das canções convida a um envolvimento contemplativo, quase um flutuar pela beleza turbulenta de “Headin’ for the Top Now”, pelo leve swing de “Mary” e pela delicadeza insegura de “Freedom”. Se as melodias dão voltas e mais voltas, Jason vai direto ao ponto nas letras. E, afinal de contas, como recusar uma viagem na qual, ao invés de “Apertem os cintos”, ouvimos versos como “Sometimes I wish that I was dead/ ‘Cause only the living/ Can feel the pain”?
A confusão mental carregada pela dor aparece em faixas como “Hey Jane”, na qual J. Spaceman insiste em perguntar para onde a tal Jane irá, ao mesmo tempo em que revela seu amor pela garota e indaga quando ela irá morrer (bela forma de conquistar a moça, hein?). Enquanto a maioria das mães recomenda aos filhos que levem a blusa na hora de sair, a de Jason implora para que ele se afaste do amor e de sua inevitável consequência, a dor (me perdoem, mas essa rima tinha que aparecer por aqui), em “Too late”. Como bom masoquista, nosso astronauta faz justamente o contrário e prefere ter o coração despedaçado.
Em meio a tanta desilusão, o disco termina com a redentora “So Long You Pretty Thing”, na qual Jason diz, como em vários outros momentos do disco, que está cego e confuso. De maneira contraditória, ele afirma não ter razão para acreditar em mais nada, mas apela para aquilo que só se sustenta pela fé: a religião. A necessidade de encontrar uma explicação religiosa para alcançar a catarse é constante no álbum, com referências a orações e a Deus, que certamente funcionam bem melhor do que a discografia bíblica do Cid Moreira.
Ao contrário daquelas viagens em que as crianças ficam atazanando os pais, perguntando a cada cinco minutos se já chegaram, “Sweet Heart Sweet Light” convida a uma empreitada interplanetária na qual o destino não interessa muito. O que importa é olhar pela janela durante o trajeto.