Deus da Carnificina


Nossa avaliação

[xrr rating=4.5/5]

“Deus da Carnificina” abre com duas árvores em primeiro plano, enquanto entre elas, ao fundo, vemos uma briga entre crianças. O plano inicial nos dá um resumo do que vai se desenvolver a partir daí: a briga entre os pais (as “raízes” das crianças) que emula a infantilidade dos filhos.

Baseado na peça “The God of Carnage”, escrita por Yasmina Reza, o filme segue a estrutura teatral de muitos diálogos e se passa em um único ambiente, o apartamento do casal Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly). São eles que tiveram o filho agredido e recebem em casa os pais do “agressor”: o casal Cowan (Christoph Waltz e Kate Winslet).  Aquilo que começa com um diálogo civilizado vai, aos poucos, se tornando cada vez mais tenso e revelando a verdadeira personalidade daquelas pessoas. O mais curioso é que não se trata de um drama, mas de uma comédia. Ou melhor, uma comédia de Roman Polanski.

Apesar de praticamente transportar a peça para o cinema, o diretor faz o bê-á-bá de enquadrar seus personagens juntos quando concordam e colocá-los em plano contrários quando discordam.  Apesar de básica, a estratégia ajuda a conferir tensão e graça na história em que os personagens vão trocando de lado o tempo inteiro, e aquilo que em um momento é uma briga entre dois casais se transforma em desentendimento interno de um casal ou uma guerra dos sexos generalizada. Para isso é fundamental o espetacular elenco, que vai aos poucos revelando suas nuances, em um formidável duelo de interpretações em que todos se equilibram e prendem nossa atenção na tela.

O humor negro dos diálogos é cortante e se estabelece a partir de situações que causam um riso nervoso, ao mesmo tempo em que aumenta nossa antipatia por aqueles homens e mulheres. O casal “vítima” surge com roupas quentes, cor de vinho, demonstrando o nervosismo e raiva por terem o filho ferido. Já os pais do agressor usam cores frias, como azul e preto, revelando a calma de quem não se sente culpado por nada. Aos poucos, com o andamento da discussão, vão tirando suas várias camadas de roupas de inverno, chegando a tons de cores mais próximos uns dos outros, e se mostrando iguais na baixeza da forma de se portar.

O diretor vai acompanhando essa autodegradação com calma, colocando-nos como observadores privilegiados de um verdadeiro teatro das aparências que só abandona sua artificialidade quando a senhora Cowan passa mal. O vômito marca o início da verdadeira discussão, quando “bota para fora” tudo o que estava engasgado e é seguida pelos outros personagens. E então, de forma sutil, a câmera de Polanski vai se afastando aos poucos, deixando aquela briga cada vez mais distante e nos permitindo ver o todo: que não há sentido algum no embate.

“Deus da Carnificina” é o filme-tese da discussão besta que causa vergonha alheia, algo tão comum em tempos de bate-boca na internet. E uma situação dessas ser tratada como uma brilhante comédia é um sinal da superficialidade dos tempos em que vivemos. E do ridículo das brigas sem sentido.


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