Entrevista: Cao Hamburger e o elenco de Xingu


Nossa avaliação

Belo Monte, cultura indígena, mitos e rituais. As entrevistas de divulgação de “Xingu” passaram longe das trivialidades que costumam tratar este tipo de evento. Tanto o produtor Fernando Meirelles, quanto o diretor Cao Hamburger e os atores João Miguel, Felipe Camargo e Caio Blat (que interpretam Claudio, Orlando e Leonardo Villas Bôas, respectivamente) pareciam verdadeiramente transformados pela experiência.

Vivendo em meio aos índios, absorvendo sua cultura e ao mesmo tempo vivenciando a degradação de sua natureza, eles pareciam ter um sentimento de urgência de, mais do que divulgar seu trabalho, chamar a atenção do Brasil para os nossos problemas ambientais.

Estavam tão afinados que preferimos não separar as entrevistas por entrevistados, mas por temas. Assim, é possível ter uma ideia mais clara do que foi, para essa equipe,  embrenhar-se no sertão brasileiro e filmar “Xingu”.

O filme

Fernando Meirelles: Eu só fui o garoto de recados. O filho do Orlando, o Noel, me procurou na produtora: “Você precisa contar a história do meu pai”. Aí ele me mandou um livro, “A Marcha Para o Oeste”, e eu achei que tinha uma história. Passei para o Cao e ele mordeu a isca!

Cao Hamburger: Essa é a primeira vez que eu conto uma história baseada em fatos reais, mas a gente vai ficcionalizando, vai mudando de lugar. Então, é um filme de ficção. É mais do que a gente quer dizer do que o que aconteceu realmente. A história tem um aspecto masculino muito forte e tem tanta coisa pra tratar que a gente não encontrou um espaço feminino. E apesar das mulheres não falarem muito, eu acredito que elas têm uma presença muito forte.

João Miguel: O filme é protagonizado por três atores brancos, mas os índios são protagonistas desse filme também.

Cao Hamburger: Quando começou a pesquisa para escrever o roteiro, o que a gente decidiu de cara era que ia ter o ponto de vista do Xingu. A gente conversou muito com os povos de lá. A minha preparação começou ali. Fiquei totalmente deslumbrado com aquele mundo mágico e diferente do nosso.

Caio Blat: Logo no início do processo, a preparação dos atores era pra ser em São Paulo, e sabiamente foi mudado para Palmas. Tivemos o encontro com o sertanejo e saímos para a mata pra aprender a usar as ferramentas, a vida deles. A produção nos deu a liberdade de sair para a mata com os índios, mergulhar no rio com eles, encontrar trilha de onça, construir ocas…

Os Villas Bôas

Cao Hamburger: A presença dos irmãos com a cultura indígena é tão apaixonante que eu não julgo se o que eles fizeram é certo ou errado.

João Miguel: A gente trabalhou com uma gama de dados sobre esses personagens, e chegar a uma só verdade nisso é muito difícil. Eu acho que o Cao nos apresentou a todas essas verdades.  Dialogar com um homem extraordinário como o Claudio, eu acho que é só no olhar, pois não há uma única verdade. Eu não cheguei a dizer “o Claudio é isso”. Foi o meu olhar dentro do que eu pude fazer em uma aventura extraordinária. Eu fiquei apaixonado por esse personagem, essa história. Os irmãos queriam descobrir o mundo e descobriram isso no Centro-Oeste, entrando em contato com algo que mudou a vida deles. E isso nos tocou também, profundamente.

Atores indígenas

Cao Hamburger: Quem tinha que fazer o papel do povo de lá tinha que ser as pessoas de lá. Fizemos um trabalho de cast e selecionamos os mais talentosos e fizemos um workshop com eles. Depois fizemos os encontro com os atores. Gosto dessa mistura: quando os atores profissionais são inteligentes, eles se desconstroem um pouco com o não-profissional.

Felipe Camargo: Eu tive o maior processo de improvisação da minha vida! Botaram nós três (Blat, Miguel e Camargo) pra entrar numa mata e de repente surgiram uns 20 índios do nada, com uma ferocidade… Eu fiquei com muito, muito medo. E foi uma improvisação, né. Eles tem muitos rituais, então a encenação faz parte.

João Miguel: Essa coisa do rito e o mito é incorporado (pelos índios). Isso favoreceu que a gente criasse uma sintonia muito grande. Então estávamos fazendo uma troca cultural, como os próprios irmãos, e a gente viveu isso dentro do filme. Foi muito forte o processo de descobrir esses personagens, entrando em contato com essas etnias.

Preservação ambiental e da cultura indígena

Cao Hamburger: A gente espera que o filme lance luz sobre essa questão ambiental. A ideia é que a gente repense a maneira como somos. O que é o progresso hoje? Que crescimento a gente quer?

Fernando Meirelles: A Transamazônica no filme é o Belo Monte hoje. Aquele deputado que aparece é a Kátia Abreu (pecuarista e senadora pelo estado do Tocantins). É claro!

Felipe Camargo: O problema do rio Xingu é que ele não nasce no Xingu. Ele vem de três afluentes que estão em outras terras. E o rio é o supermercado dos índios, e se esses rios não forem tratados, o rio (Xingu) pode se extinguir. A ecologia não pode mais ser vista como uma coisa bonitinha, “vamos preservar a natureza”. Não: vamos preservar a nossa vida.

Caio Blat: Os Villas-Bôas fizeram uma previsão: que o encontro (entre brancos e índios) era  inevitável e a civilização ia chegar à fronteira do rio. E eles chamavam isso de “abraço da morte”. De avião a gente vê claramente a devastação ao redor. Então esse “abraço da morte” chegou.

Felipe Camargo: Não teve um dia de filmagem que não vimos fumaça de queimada. Até o set queimou, a equipe toda ajudou a apagar o fogo. E isso acontece sempre: aconteceu quando filmamos, aconteceu ano passado, vai acontecer esse ano de novo.

Cao Hamburger: Considero que essa cultura e essa filosofia de vida deles não está parada no tempo, ela está em desenvolvimento como a nossa. O que está me interessando muito é o que nós podemos aprender com essa cultura. O Brasil tem um tesouro que faz questão de esconder e desprezar, e está perdendo a oportunidade de absorver e aprender com eles. A cultura deles é muito rica, muito sofisticada e o Brasil tem muito a ganhar.


2 respostas para “Entrevista: Cao Hamburger e o elenco de Xingu”

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