Drive


Nossa avaliação

[xrr rating=4.5/5]

Um homem dirige por uma das cidades mais icônicas dos EUA e nós o acompanhamos, mas não na velocidade do carro, e sim no ritmo que a mente dele imprime às imagens. A cidade que nós vemos não é a cidade real, mas aquela traduzida por seu olhar. A trilha é a música que ele escuta em seu pensamento.

O homem não tem identidade, ele é um produto da cidade. Ele é uma parte dela e só faz sentido dentro dela. Quando o homem encontra uma garota, sentimentos nascem dentro dele, criando a esperança de que ele pode ser alguém, um indivíduo, algo mais que uma peça no grande motor da cidade. Mas a cidade é maior que eles.

“Drive” não é “Taxi Driver”. Mas troque Nova Iorque por Los Angeles e as semelhanças se mostram bem mais numerosas que um mero título parecido. O filme do diretor Nicolas Winding Refn (do ótimo “Bronson”, inédito no Brasil) é talvez o descendente mais direto, ou o filho menos pródigo, do clássico de Martin Scorsese. Nos dois, a cidade é um protagonista tão ou mais importante que os personagens: um (s)cenário no sentido inglês da palavra – que define locais, papéis, narrativas, e tem uma função mais determinante na história que a própria ação de seus habitantes.

Mas enquanto Scorsese estudava a NY dos anos 70 como um monstro sombrio e noturno que engole e enlouquece as pessoas, Refn descreve LA como um fantasma de plástico. Uma terra de sonhos, de (falsas) promessas do cinema, onde ninguém parece ser de verdade. Todos querem ser alguém, mas ninguém de fato é alguma coisa. O Motorista vivido por Gosling é um dublê que descobre que pode ter uma vida quando conhece Irene (Mulligan), mas a cidade já definiu o papel dele ali dentro. E ele deve cumprí-lo.

Para imprimir às locações essa aura da Los Angeles da fantasia dos contos-de-fada hollywoodianos, Refn usa uma hipnótica trilha neo-oitentista que remete aos filmes de John Hughes, em contraponto ao rock sujo que definia a Nova Iorque barulhenta de Scorsese. E seu maior mérito – e o motivo pelo qual ele ganhou o prêmio de melhor direção no último Festival de Cannes – é casar todos esses elementos altamente díspares e criar um produto que é exclusiva e essencialmente cinema. Nada grita ou se destaca, tudo é orquestrado como em uma sinfonia em função do resultado final.

A trilha casa com a bela fotografia, criando um subtexto e um suporte para o roteiro simples e silencioso. Os atores abraçam esse silêncio e simplesmente reagem, confiando na ótima edição que nos joga diretamente dentro da mente do protagonista, nos fazendo processar o mundo por meio de seu pensamento. A direção de arte e o figurino (especialmente a icônica jaqueta do protagonista) são os toques de classe que mostram como o filme (e o Motorista) entendem Los Angeles. Uma cidade fantasma habitada por personagens, e não pessoas, perfeita para quem quer viver uma história, na ausência de uma vida.


6 respostas para “Drive”

  1. Bem-vindo de volta ao Pílula, Daniel! Você sabe como eu sou com essa coisa de ler as resenhas antes de ver os filmes, então volto a escrever aqui quando o tiver visto, ok? Abraço!

  2. Filmaço. É Scorsese dirigindo “Velozes e Furiosos” (com direito a um quase-Vin Diesel no final), hehe. Pena que a Carey praticamente entra mullingan e sai calada 😉 Mas falando sério, já tinha um tempo que não saía do cinema com tanta certeza de ter visto algo absolutamente especial.

  3. Eu fiquei doido com esse filme, e olha que nem vi no cinema ainda. É estupendo assistir uma produção contemporânea de ação sem tantos cortes que te proporcionam pouco mais que dor de cabeça.

    (Daniel voltou para BH?

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