Quando um spoiler não é um spoiler?
“Spoiler” não é o tipo de palavra que se encontra no Aurélio, e o motivo disso é óbvio: trata-se de uma palavra da língua inglesa, que significa alguém ou algo que estraga alguma coisa. No linguajar coloquial da internet, virou sinônimo da revelação de fatos ou detalhes da trama de um livro, filme, série ou jogo para alguém que ainda não leu, assistiu ou jogou. Tipo: “foi o mordomo”, “é o trenó dele”, ou “o cara é um fantasma”.
Porque as pessoas estragam a experiência das outras? Ah, só pelo prazer sádico de ser sacana, essa mancha da natureza humana que nenhum filósofo ou psicólogo jamais pôde explicar com precisão. Na internet, o comportamento sádico é tido como comum, muito provavelmente devido à facilidade do anonimato e da impunidade.
Na mídia especializada em cultura pop, já se aprendeu que é questão de cortesia avisar ao leitor: “olha, aí vem um spoiler”, de preferência em letras garrafais vermelhas e piscantes, com um botãozinho com a opção “tem certeza de que quer saber o final da história?” O problema é que a “grande mídia” ainda não aprendeu a tomar esse cuidado, e vem estragando repetidamente as “reviravoltas” mais inesperadas dos quadrinhos nos últimos anos.
Tudo bem que a maioria dos leitores sabe que a morte de um personagem importante em uma HQ de super-heróis não passa de uma jogada de marketing, voltada mesmo para chamar a atenção da grande mídia, que adora óbitos, sejam reais ou ficcionais. Mas a coisa fica chata quando se faz mistério durante meses sobre qual personagem irá morrer, anuncia-se que a edição fatídica será lançada em um saco plástico lacrado para impedir que algum desavisado folheie a revista e descubra o final, e então, na manhã do lançamento, o leitor abre um site qualquer de notícias e vê a manchete: “Tocha Humana morre na revista do Quarteto Fantástico”. Fufufufu…
Pois é, essa semana aconteceu de novo. A “grande mídia” noticiou a morte do Homem-Aranha antes mesmo que a edição chegasse às comic shops americanas. É verdade que um dos tipos de spoiler mais comuns é o “ele morre no final”, mas não deixa de ser irritante, especialmente quando o sinistro vem como uma reviravolta surpresa. A boa notícia é que esse não é o caso de “Ultimate Spider-Man #160”. Apesar do saco plástico estar lá de novo, a edição é a parte cinco de uma saga intitulada “A morte do Homem-Aranha”. Adivinha o que acontece no final?
Sem dúvida, a característica mais marcante da saga é essa: a previsibilidade. Várias das edições anteriores pareciam encheção de linguiça, quando o que todos queriam era que se chegasse logo ao ponto. Pois bem, chegou-se! A história da última noite de Peter Parker acaba se mostrando emocionante, ainda que nada original ou genial. Se o trabalho do escritor Brian Bendis em outras HQs deixa a desejar, aqui é onde ele brilha – afinal, o cara roteirizou todas as 160 edições da revista do jovem aracnídeo. Sabemos tudo o que vai acontecer, mas ainda assim o desespero e a brutalidade da última luta do Aranha impressionam.
É claro que essa é “apenas” a versão Ultimate do herói. O Aranha continua vivinho da silva nas suas revistas tradicionais: quem morre é a sua versão mais jovem e moderna, que havia estreado em 2000. A linha “Ultimate”, conhecida no Brasil como “Millenium”, tinha como objetivo original fornecer visões atualizadas dos heróis Marvel, e chegou até mesmo a influenciar as versões originais dos personagens. Agora, parece que o conceito da linha é contar histórias que normalmente não veríamos na Marvel tradicional. Quem sabe não temos então aí uma novidade, e o sacrifício do jovem Peter não acaba sendo desfeito daqui a alguns meses. Descanse em paz, Peter! Aproveite suas férias!