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Músico de coração

por Taís Oliveira

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Em seu penúltimo filme, o documentário “Coisa Mais Linda – Histórias e Casos da Bossa Novaâ€, o diretor Paulo Thiago conseguiu unir suas duas paixões: música e cinema. Agora, em “Orquestra dos Meninosâ€, música e cinema se combinam, mas na versão ficcionalizada de uma história real. Mozart Vieira, interpretado por Murilo Rosa, é o músico que cria uma orquestra com crianças nordestinas que mal conheciam um instrumento. Nessa história de luta e superação, Paulo Thiago faz cinema brasileiro do jeito que gosta: mostrando que, apesar de tudo, o Brasil tem soluções.

Em visita a Belo Horizonte para divulgar seu novo filme, o diretor conversou com o Pílula Pop sobre o trabalho com os atores, cinema brasileiro, e ainda falou, com exclusividade, de seu novo projeto.


Paulo Thiago e sua cara de cineasta.

Pílula Pop: Quando, em 1995, o senhor leu a matéria sobre a Orquestra de Mozart no jornal O Estado de São Paulo, já imaginou que a história daria um filme?

Paulo Thiago: Eu senti que ela tinha um elemento bonito: o trabalho e a criação dele - e sua demonização, como resultado. Achei até que discutia o papel da mídia: como ela o transformou num herói e o destruiu. Mas daí a fazer um filme, levou muito tempo. Eu tinha outros projetos na cabeça, outras fixações, como essa coisa de Minas, do poeta de sete partes, “O Vestidoâ€, que eu filmei aqui, fiz a “Bossa Nova†[Coisa mais linda - Histórias e casos da Bossa Nova]... então a coisa só se materializou bastante tempo depois.

Pílula Pop: A sua experiência com a música contribuiu para o filme?

Paulo Thiago: Muito. Eu sou um cara muito ligado em música. E fui caminhando para filmes ligados à música, como o caso do “Bossa Nova†e desse agora. Aliás, vou fazer um documentário sobre o Antonio Meneses, que nasceu em Pernambuco, é um dos maiores violoncelistas do Brasil e mora no exterior.

Pílula Pop: Quando o senhor vai começar a trabalhar nesse filme?

Paulo Thiago: Provavelmente até o final desse ano ou começo do próximo. Ele já está sendo mais ou menos armado e foi exaustivamente investigado. Na verdade, vou fazer uma direção geral, quem vai dirigir mesmo é o Pedro Antônio Camargos, meu filho, que está começando a fazer cinema. Ele fez a investigação e já filmamos alguma coisa do Meneses no Rio, quando ele esteve lá agora com o Trio Beaux-Arts. Foi o Pedro que filmou.

Pílula Pop: Por que o senhor diz que o filme não é uma reconstituição da história? Quais os elementos de ficção no filme?

Paulo Thiago: É muito mesclado. Com o filme de uma história real, você ficciona, cria uma dramaturgia, pega situações que levaram dez anos acontecendo e bota numa só. É um processo no qual você tem que... criar mas, por outro lado, não pode se afastar do que significa aquela história e dos pontos altos que ocorreram realisticamente. Você tem que pinçar essas situações. É um trabalho muito difícil e eu não consigo mais dizer o que aconteceu, o que não aconteceu. Sei que tem certas coisas; quando ele sobe lá no palanque e meio que bota o cara para fora é um fato real. O seqüestro aconteceu mesmo, mas o como já é uma coisa de cinema.

Pílula Pop: E o personagem do Othon Bastos é real?

Paulo Thiago: Ele é uma mistura de dois ou três caras que existiram e estavam lá. Considero o Othon um grande ator. Trabalhei com ele em “Policarpo Quaresmaâ€. Daí n’O Vestidoâ€, tive que cortar a maior parte das cenas dele e isso deu um problema muito grande com ele. E agora não (risos).


Paulo Thiago e sua cara de bossa nova.

Pílula Pop: Nenhuma cena foi gravada em estúdio...

Paulo Thiago: Não. Tudo em cenários reais. Acho que não comportava, ia criar uma falsificação. Porque o estúdio não pode fingir que é real, que está contando uma história real. Acho que ele tem que ser um personagem dentro do filme, um componente da obra. Você tem que sentir que aquilo é o estúdio. E o que eu queria mostrar era o mundo real.

Pílula Pop: Por que você acha que um trabalho artístico desperta tanta inveja e ódio? Como cineasta, já sentiu isso?

Paulo Thiago: Já senti ataques por parte da imprensa. Mas o grau de ódio que o trabalho do Mozart provocava é um caso único, não conheço. Sei de Caetano e Gil, que se exilaram na Inglaterra, Glauber também...

Pílula Pop: Murilo Rosa e Priscila Fantin tiveram que criar um personagem que já existe. Quais foram os subsídios que vocês deram para a criação deles?

Paulo Thiago: Foi um trabalho de muitos ensaios e de muito aprofundamento. O Murilo aprendeu a reger, tocar flauta, violão; Priscila aprendeu a tocar fagote. Ambos foram para Sergipe um tempo antes, envolveram-se no trabalho das crianças.

Pílula Pop: E como foi a escolha dos atores que fizeram os alunos da Orquestra?

Paulo Thiago: Foram escolhidos dentre 300 crianças lá de Sergipe. Algumas já faziam teatro em Imboaça, que é uma companhia muito importante lá. A seleção foi feita depois de ensaios exaustivos com a preparadora Laís Corrêa [que também atua no filme]. Daí, eles foram ensinados a tocar os instrumentos da forma correta - evidente que a gravação [musical] já havia sido feita antes.

Pílula Pop: Alguns atores continuaram a tocar...

Paulo Thiago: Continuam. Alguns entraram em curso de teatro ou começaram a estudar instrumentos... se envolveram com arte, de forma geral. Um deles até virou trompetista mesmo.

Pílula Pop: E o que o senhor tem achado do cinema brasileiro contemporâneo?

Paulo Thiago: Está havendo uma grande renovação no cinema, extraordinária, maravilhosa, novos diretores e filmes. Ao mesmo tempo, há todo um cinema super comercial que se faz no Brasil - que é muito bom que se faça, atinge uma comunicação com o público muito grande e compete com os blockbusters americanos. Acho que as duas coisas são importantes: a renovação de diretores, com filmes mais complexos, mais difíceis para público, e longas mais populares. É uma dualidade muito boa. O que não me agrada muito é um cinema que mostra que o Brasil é um beco sem saída. Esse tipo de cinema eu acho complicado.

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