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A casa de Cleuza

05.09.08

por Daniel Oliveira

Linha de passe

(Brasil, 2008)

Dir.: Daniela Thomas e Walter Salles
Elenco: Sandra Corveloni, Vinícius de Oliveira, João Baldasserini, José Geraldo Rodrigues, Kaíque Jesus Santos

Princípio Ativo:
sonhos e chutes

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Uma das grandes lacunas do cinema brasileiro é um bom filme sobre futebol. “Linha de passe†não é esse filme. Não é sobre futebol. Mas compreende muito bem como o esporte se encaixa e completa esse sujeito estranho que é o ‘ser brasileiro’.

Porque dizer que esse ‘ser’ não desiste nunca é muito fácil. Difícil é ensinar como encarar a derrota nossa de cada dia e ainda assim seguir em frente. E é aí que ele entra: o futebol é o esporte do resultado adverso, da derrota inesperada, da frustração impiedosa que não pode durar muito. Semana que vem tem outro jogo.

Ser brasileiro é esse eterno domingo em fim de tarde, nem sol nem chuva, aquele sapo no estômago, a derrota do time para digerir, a preparação para a zoação adversária, a inevitabilidade da segunda-feira, a certeza de que nada realmente vai mudar.

É isso que “Linha de passe†apresenta tão bem com os irmãos paulistanos Dário, Dinho, Dênis e Reginaldo. Eles são esses ‘seres’, sonhando com o futebol, com uma resposta, com dinheiro, com um pai - e levando na cara repetidamente quando acordam.

A direção de Daniela Thomas e Walter Salles, sem gritos, sem clímax, cadenciada e monotônica como a música de Gustavo Santaolalla, retrata essas porradas como um cotidiano corriqueiro, que se repete todo dia e nem por isso se torna insuportável – e que é metaforizado nos perigosos corredores das marginais paulistas costuradas pelo motoboy Dênis. “Linha de passe†mostra como os quatro vão levando e levando na cara até resolverem chutar de volta: chutar no gol, chutar o estômago, chutar o balde – nas rimas visuais recorrentes na ótima edição de Gustavo Giani.

E o júri do Festival de Cannes, sabe-se lá como, enxergou em Cleuza (Corveloni) a figura mais emblemática do filme. Ela não é heroína, protagonista, redentora. Como a mãe dos quatro, ela é a corporificação dessa pátria-puta, que não dá nada de graça – exceto a vida. Simplesmente ama sem saber, torce pelos filhos sem necessariamente ajudar, demanda retidão e disciplina sem dar o melhor dos exemplos. Cleuza é o Brasil: parindo, enchendo o mundo de gente e de esperança, inconseqüente, cheia de vida, instigante e torta como a Dora de “Central do Brasilâ€.

Com sua câmera documental, Thomas e Salles filmam essas pessoas como se elas realmente existissem, num realismo que impressiona especialmente nas cenas dos cultos evangélicos - outro refúgio que ensina a encarar a derrota (como um desígnio divino, a cruz). E nos deixam com a esperança do gol, o grande momento, não do futebol, mas da vida desse povo que vive levando na cara, mas “não desiste nuncaâ€. Um conceito tão estúpido quanto sensacional.

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A família, a linha, a pobreza e a tênue luz da esperança que não morre.

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