Espelho de dois gumes
04.06.08
por Rodrigo Campanella
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Pecados Inocentes
(Savage Grace, Espanha/Estados Unidos/França, 2007)
Dir.: Tom Kalin
Elenco: Julianne Moore, Eddie Redmayne, Stephen Dillane, Elena Anaya, Hugh Dancy
Princípio Ativo: holocausto
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Barbara Baekeland não sabe o que fazer consigo mesma. Casada com um homem bem posicionado na cadeia social, ela deveria estar feliz e satisfeita. A mãe lhe ensinou desde pequena que um casamento como esse seria sua porta da esperança. E ela ainda tem um filho rosado, saudável e inteligente. E guarda uma sintomática pilha de convites para jantares high society no aparador da sala.
Mas Barbara possui também um rio de lava correndo por dentro. Seu fascÃnio pelo universo rico e culto do marido compete com o ódio que ela carrega pela hipocrisia arrogante da semi-aristocracia onde ela trafega. Na passada dos anos, Barbara já não pode, consegue ou deseja ser ela mesma. E escolhe definitivamente ser outro: a mente e a carne do próprio filho, que por conta dessa decisão da mãe nunca consegue existir completamente. Como um fantasma pela metade.
Se o quadro descrito acima parece razoavelmente ordenado, é bom esclarecer que ele surge assim apenas depois de ver o filme uma segunda vez. Na primeira vista, no Indie BH, a descrição do filme já conhecida (“incestoâ€, “homicÃdioâ€, “famÃlia disfuncional ao cuboâ€) gritava muito mais alto na cabeça do que as sutilezas. Saà da sala aquela vez com uma impressão resumida: “filme de terror com zumbis malditos devoradores de almasâ€. Que vem embalado num drama em famÃlia absolutamente controlado pelo diretor.
Mas a segunda assistida revela bastante mais. Julianne Moore continua com a mesma facilidade para absorver personagens e engolir filmes, especialmente esses em que ela pode ser o centro do universo. Mas a direção quase teatral de Tom Kalin, na arte e nos atores, é fator-chave para que o filme funcione bem. Todo o pus familiar brota dentro da casca de um melodrama que podia ter sido feito há sessenta anos atrás, tempo de uma Hollywood tecnicamente iluminada.
“Pecados Inocentes†traz à cabeça “Bem Longe do ParaÃsoâ€, de Todd Haynes, que tinha a mesma atriz à frente e uma descrição parecida. Mas aqui Julianne Moore vem com o acréscimo de um ótimo Eddie Redmayne, o filho afetado que vai se diluindo dentro da mãe, sacada que o cartaz brasileiro do filme capta com perfeição.
Se você insistir em ver esse monstro acompanhado de refri e pipoca, garanta antes que pode ter um refil de copo com bicarbonato de sódio depois. A acidez no estômago durante a meia hora final (ou nele todo, depende da sensibilidade) é digna de lembrança. A vida social por dentro pode ser tão punk quanto canibais homicidas.
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