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De olhos bem abertos

06.10.07

por Rodrigo Campanella

Império dos Sonhos

(Inland Empire, França/Polônia/Estados Unidos, 2006)

Dir.: David Lynch
Elenco: Laura Dern, Jeremy Irons, Justin Theroux, Harry Dean Stanton, Grace Zabriskie

Princípio Ativo:
o segredo do abismo

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Se fosse uma máquina, “Império do Sonhos†seria um mecanismo gigantesco, ocupando uma sala, com um sistema de roldanas, pesos e freios extremamente sofisticado, bem superior ao aparente desarranjo das peças. Se fosse uma máquina, “Inland Empire†não fabricaria produto, mas seria um instrumento para prender o corpo, fechar os olhos e exercitar o espírito escalando um pesadelo.

Associar Lynch a sonho/pesadelo é quase um lugar-comum, mas continua útil para explicar as tramas internas que se cruzam, parecendo apenas uma, mas que são tão contraditórias e frouxas entre si que uma hora você desiste de encaixar. Os filmes dele não são bem quebra-cabeças (que possuem uma solução), mas labirintos costurados a partir de uma série de montanhas-russas diferentes. Nesse universo, cada face do dado - dá para dizer, cada identidade - tem vários lados.

“Império†é a filmagem da refilmagem de um antigo longa polonês nunca finalizado. Mas o longa original também é uma criação de “Impérioâ€, e cenas inteiras dele (em polonês, sem legendas) aparecem durante as três horas de projeção, que passam rápido. A refilmagem em questão é um acontecimento hollywoodiano, com os famosos Nikki Grace (Dern) e Devon Berk (Theroux) à frente do elenco.

Gostar de Lynch tem sido usado como certificado de “eu sei mais de cinema que você†por gente querendo se gabar. Duvide de quem afirmar que sabe “a explicação certa do filmeâ€. Tentar criar as conexões ali é um exercício divertido, quase impossível de evitar, mas amarrar a trama certinho parece inútil. Vá para curtir a viagem.

Porque depois de uma hora amaciando o espectador num filme ‘lógico’ e ‘simples’, Lynch abre a porta do hospício, cheio de espinhos. Em Hollywood, possíveis estrelas no céu podem ser apenas o brilho das pedras na calçada de rua.

“Inland Empire†é o auge do império esboçado por Lynch, com gosto, em “Cidade dos Sonhosâ€. Cabe um aviso rápido: é um filme que não “tem históriaâ€, e isso talvez seja essencial para balancear a expectativa de quem vai à sessão. “Império†é excelente para quem deseja uma experiência visceral de ver um filme, com cinco dimensões. É um filme “de cinema†e sobre (a engrenagem-mor do) cinema. Quem deseja apenas um começo-meio-fim bem contado, ouvir uma boa história e pensar sobre ela, talvez frite a paciência aqui.

Eu saí de “Império dos Sonhos†desejando ter dinheiro para patrocinar os filmes desse cara, renegado na indústria. Talvez porque meu estômago já esteja calejado o bastante para encarar esse caldo pesado. De terror.

Lost, lost, lost

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