O porta-retrato de João
04.10.07
por Rodrigo Campanella
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Santiago
(Brasil, 2007)
Dir.: João Moreira Salles
Elenco: Santiago Badarotti Merlo, João Moreira Salles, Fernando Moreira Salles
Princípio Ativo: retrospectiva
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Moldura
Não é à toa que “comer†pode ser usado como sinônimo para fazer sexo. Nas traduções nacionais de Sidney Sheldon e afins, o verbo é outro: “possuirâ€. “Ela ansiava que ele a possuÃsse com ardorâ€, aparece a cada duas páginas. Sexo tem a ver com certa dose de egoÃsmo – e “comer†não parece fora de propósito, ainda seja sutil como um Boing-747.
Se ingerir alguém tem a ver com sexo, pode ter até mais em relação ao amor. Na tábua dos afetos possÃveis, sempre existe alguma forma de devorar – com todo carinho.
“Santiago†é a história de um jovem ditador-diretor de documentários que enjaulou seu personagem dentro do filme que tinha planejado na cabeça antes de começar a filmar. “Santiago†é a história de como João Moreira Salles filmou seu antigo mordomo – o Santiago do tÃtulo - por cinco dias, em 1992, e depois descobriu que não tinha força ou motivo para montar um filme com as imagens que armou.
Dentro disso, “Santiago†é o retrato de amor de um menino pelo mordomo que ajudou a criá-lo, a ponto de Salles ver refletido nele o reflexo da própria famÃlia.
Imagem
Quinze anos depois, na casa dos quarenta de idade e em meio a uma crise pessoal profunda relacionada ao tempo e à morte, Salles foi rever as cenas de 1992. “Santiago†são essas imagens, agora contadas (e decantadas) pelo diretor num Ãntimo depoimento em off. O subtÃtulo do filme explica muito: “Reflexões sobre o material brutoâ€. E, por ser um filme de amor, aquele João Salles de quinze anos atrás devorava seu personagem : o protegia de certas revelações, impunha as palavras que ele devia dizer.
O esforço de 1992 era o mesmo de polir um álbum de famÃlia, um retrato querido da infância: Santiago e tudo refletido nele.
O esforço de Salles em 2007 é fazer um documentário olhando para as próprias entranhas, destacando aquelas com pus. Ao invés de buscar “objetividadeâ€, as imagens estão ali para duvidar: o mordomo Santiago aprece repetindo “espontaneamente†a mesma fala, assuntos são impostos, a voz do diretor em 1992 ordenando cada ação é sempre ouvida.
Salles ainda deixa questões para trás (o que o levou em 1992 a fazer o filme daquela forma? Para impressionar a quem?), mas fecha com um ponto essencial. Ele e seu irmão, Walter, herdeiros do Unibanco, dedicaram vários filmes ao naco pobre do Brasil (NotÃcias de uma Guerra Particular, Entreatos, Central do Brasil, Abril Despedaçado). E nesse “Santiagoâ€, é João que descobre: Santiago cumpria cada ordem, e não tomava o filme para si, porque para ele o diretor não deixava de ser “o filho do patrãoâ€.
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Ãgua Negra
Santiago enquadrado
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