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28.11.06

por Rodrigo Campanella

Fonte da Vida

(The Fountain, Estados Unidos, 2006)

Dir.: Darren Aronofsky
Elenco: Hugh Jackman, Rachel Weisz, Ellen Burstyn

Princípio Ativo:
fé, novamente

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Deus não mora em Hollywood, possivelmente nunca morou. Darren Aronofsky, diretor desse filme, sabe disso muito bem. A boa pergunta é se Hollywood ainda suporta algum ser humano com alma em estado de funcionamento. As explosões retumbam como nunca, os filmes-chiclé continuam divertidos de mascar. Mas o que “Fonte da Vida†prometeu, por toda a mão-de-obra que foi tirá-lo do papel e por toda a expectativa que alimentou, era o caos absoluto, extremamente humano. Entregou outro princípio de humanidade: o engasgo. Com tudo que pode ter de desconfortável e de sincero.

Se eu digo ‘há pessoas que tem medo’, você possui instrumentos para decompor essa frase em princípios objetivos (pessoas, medo) e compreender. Se eu digo “Hugh Jackman é uma pessoaâ€, a conclusão clara é a mesma, perfeitamente mesurável pela escala da nossa cultura. Agora, se eu dissesse (e digo) “há quem sobrevive apenas na morteâ€, você pode até me entender mas esqueça as réguas. Se você aceitou essa afirmação, ou começou a ler essa resenha, é porque sabe que nem tudo pode ser medido objetivamente.

“Fonte da Vida†é maior, e envolvente, quando se entrega ao exercício de colocar o espectador sem chão absoluto. Acredita-se na história só porque ela bate em algo lá dentro, ainda que pareça absurda. O tropeço é tentar diluir essa ponte num quadro racional. Quando o engasgo fabuloso de uma bolha, no espaço, que carrega rumo ao nirvana um homem e seus múltiplos tempos vira um médico olhando para o alto e tendo o estalo da cura do câncer (“oh, os padrões da planta e do tumor são iguaisâ€), a magia vira água de balde.

Tropeçar é sinceramente tão inevitável quanto o engasgo e tudo isso se abriga sob o guarda-chuva do ridículo que o cinema tenta isolar na ala da comédia. No mesmo bote entraria o exagero visual do filme. Mas o que parece escapar é que esse ridículo todo é um lado crucial da vida. E eu ainda não sei se foi também a fotografia de Matthew Libatique (sempre impressionante), a música direto no alvo de Clint Mansell ou o visual over e esmerado mas eu saí do cinema enxergando tudo de um modo alterado, e isso vale tanto.

Stanley Kubrick escapava do tropeço partindo sempre de algumas conclusões, sem passar pelo caminho gigantesco de construí-las, que nunca seria crível o bastante. O ponto-chave nunca foi algo próximo da verossimilhança. Aronofsky tentou abraçar os dois lados infinitos do mundo. No meio do abraço, matou um filme que era uma pedra no seu caminho e com certeza fez mexer ao menos um dos ponteiros da vida nas entranhas de alguém.

Às vezes, o filme é tudo o que se espera dele.

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