Mais leve que o chão
13.09.06
por Rodrigo Campanella
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Serpentes a Bordo
(Snakes on a plane, Estados Unidos, 2006)
Dir.: David R. Ellis
Elenco: Samuel L. Jackson e uma porção de figurantes, incluindo a Julianna Margulies
Princípio Ativo: lixo com etiqueta
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Quando Schneider entrou na meia-luz do quartinho, o amontoado de volumes em capa dura espalhado pelo chão tomava boa parte do lugar. Ele havia imaginado tudo assim, aspecto de largado, mas assustou com a bagunça. Tinha tempo: no marasmo daquele andar demoraria alguém perceber o arrombamento, se percebesse. Abriu o álbum no topo de uma pilha e folheou com cuidado o papel de seda para não derrubar o conteúdo.
A porção de rótulos, figurinhas autocolantes mal-impressas e carteiras de cigarro escorregava para o vão das páginas conforme ele repassava o material. A palavra ‘lixo’ cruzou sua cabeça, e ele soltou um riso, pequeno. As coisas tem o valor que se espera delas.
Num canto da sala que ele sentiu o cheiro. Perto da guilhotina, um gosto forte de verniz e plástico novo subiu pela narina até tomar a lÃngua. Abriu ressabiado a caixa retangular que recendia aquilo. “Fabricação de lixo, quem diriaâ€, ele pensou sujando as mãos na tinta fresca. Os mesmos rótulos, cromos e outros bagulhos de trinta anos atrás, os mesmos dos álbuns, estavam ali em versão recém-fabricada. A festa para os aficcionados. Virou, pegou a dúzia de álbuns que tinha separado e encostou a porta ao sair.
Quando Schneider chegou ao set naquele dia e olhou o cenário de poltronas de avião recheadas de bonecos-cadáver, ele pensou no que o amigo disse sobre o bico de figurante, “para um filme policial estranho, matar uma testemunha com cobras num aviãoâ€. Parado ali, ele lembrou da caixa no quartinho.
O diretor passou direto por ele, nem sorrindo nem ranzinza, um cara absorto. De tarde, Schneider já tinha opinião formada sobre ele: queria abraçar o mundo, fosse como desse. Comandava com a seriedade de um thriller, olhava o roteiro, já não tão sério gravava um plano tocado de humor, e voltava à carga: suspense, pedia tensão, soltava as cobras, terminava rindo.
No quartinho, gradeado e de porta nova, a pilha de caixas retangulares aumentava. Re-fabricada como novidade, a coleção nos álbuns virava sucesso no mercado paralelo. Quando outro figurante comentou no set “it´s the same old crapâ€, Schneider discordou. Era divertido, ele tinha certeza. Mais, não. Samuel L. Jackson ria no estúdio ao lado, certo de que não havia escolhido o novo Pulp Fiction mas ia ganhar dinheiro e holofotes sem esforço. Era tudo sério. Seriedade de business, sem gargalhadas nem pânico jogados no ventilador. Para esquecer da vida e pular na cadeira se você tem fobia de cobra. Com direito a descompromisso adaptado à dinâmica de mercado.
Jackson prepara o acorde certo para matar uma jibóia
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