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O corte e a graça

28.11.05

por Rodrigo Campanella

o fim e o princípio

(Brasil/2005)

Dir.: Eduardo Coutinho

Elenco: Rosilene Batista , Francisca Batista, Leocádio Avelino, José Amador

Princípio Ativo:
o dom

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Entre os anos 70 e 80, Eduardo Coutinho dirigiu para o “Globo Repórterâ€. Era a entressafra entre a nunca finalizada ficção “Cabra Marcado para Morrer†e o documentário/acerto de contas de mesmo nome, de 1984. Saindo da sessão desse “O Fim e o Princípio†é difícil não imaginar que Coutinho talvez tenha pensado bastante sobre televisão no escuro da mesa de edição.

Se a idéia por trás do filme é direta e clara, sobra complexidade (e riqueza) no resultado. A meta era partir, sem planos ou tema, para o interior da Paraíba à cata de gente disposta a alguns dedos de prosa. O local exato para o início do trabalho foi escolhido pela existência de um hotel nas redondezas e o tempo de filmagem (4 semanas) foi limitado pela verba disponível para o filme.

Levou na bagagem um trunfo: se não aparecesse material suficiente para fazer um documentário, contaria a história do filme que não conseguiu fazer. Mas, achada a pista certa, o material não parou de surgir. E é aí que entra a televisão. Na década de 90, em que filmava documentários em vídeo, a TV era o meio por excelência de assistir Coutinho, via ‘canais culturais’ ou VHS. Com câmeras digitais e mais mobilidade no set, Coutinho voltou à película. Mas o material entrevisto nas brechas do “Fim e o Princípio†fica pequeno para tela do cinema, por estranho que isso possa parecer.

Apesar de ser possivelmente o filme mais ‘sem assunto’ de Coutinho, sobra nas falas e nos silêncios algo inexplicável que tem relação com tempo e doação. O dom de perguntar de Coutinho e a dádiva aberta por cada personagem que aparece na tela se completam e se chocam. É o filme de Coutinho em que o silêncio parece ser mais precioso mas também aquele em que a fala é mais recortada pela edição. Com tamanha riqueza de personagens à frente e duração de filme limitada, talvez tenha sido mesmo impossível escolher o que iria ser cortado.

As falas de morte, o cantado do vocabulário e a abertura entre diretor e entrevistado saltam à vista todo o tempo. E se Coutinho pudesse fazer desse material uma série de televisão?, fica a pergunta. E se a televisão pudesse se dar o tempo de ter a duração que pediria um filme desses? As questões ficam incomodando enquanto a improvável minissérie de Coutinho permanece apenas na imaginação.

Talvez a televisão atual, sinceramente, não desse ao público paciência para as horas que esse material exigiria. Se Coutinho pensou nisso, é maior ainda seu feito: reconstruiu um extenso tapete de tempo em uma série de cortinas sutis – que não incomodam quem tem pressa, mas prometem muito mais a quem não tem preguiça de tentar ver através delas.

Um dedo de pito, dois dedos de prosa

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