Ninguém sabe, ninguém viu
31.08.05
por Rodrigo Campanella
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Hotel Ruanda
(Hotel Rwanda – Ãfrica do Sul/Itália/EUA 2004)
Dir.: Terry George
Elenco: Don Cheadle, Desmond Dube, Sophie Okonedo, Nick Nolte
Princípio Ativo: o que o jornal não viu
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Se ao final de Hotel Ruanda você se perguntar como é que não soube nada daquilo através do seu jornal preferido, com certeza está no caminho certo. O filme parece ser coisa das mais interessantes nesses tempos em que a imprensa é sucessivamente desmascarada (repórteres inventando fatos, capas inventando novidades requentadas) dentro ou fora desse Brasil. No entanto, Hotel parece ser mais importante como documento crucial sobre o silêncio dos jornalistas do que realmente um filme feito com brio para lançar um olhar mais forte sobre sua questão central – o Outro.
Descobrimos no filme que Ruanda, na Ãfrica, é um paÃs cindido entre duas etnias: hutus e tutsis. Opressivos no poder, os tutsis passaram a ser odiados pelo hutus, que num golpe de estado tomaram o controle do paÃs. Um atentado que mata o presidente hutu, e impõe os tutsis como culpados, desencadeia a tão esperada vingança - uma matança que acabou dizimando 800 mil pessoas no meio das ruas de Ruanda, à base de facões e armas de mão. No meio da matança, um hutu gerente de um hotel belga, Paul Rusesabagina conseguiu, graças a uma série de favores pessoais acumulados, salvar mais de mil pessoas da morte certa. Um detalhe: os tutsis e hutus foram classificações dadas pelos colonizadores belgas, para criar uma elite artificial que permaneceria no controle polÃtico da colônia.
Hotel é filme indispensável, ainda que não seja um bom filme. Se o cartaz estiver pregado na porta do cinema, arranje um tempo para ir, mas não espere diversão. Por vezes é intragável suportar aquelas duas horas de um ambiente de morte - açougue humano realmente - tomando todas as bordas da tela. A sensação de caos é a única constante e o sentido de uma expressão como ‘valor da vida humana’ parece reduzido a uma piada, sem graça alguma.
No entanto, o filme acaba falhando naquilo que é mais essencial. Indicado ao Oscar de melhor roteiro original, parece ter sido adaptado à s telas da metrópole Hollywoodiana com doses consideráveis de açúcar na trilha sonora e na relação de Paul com a própria famÃlia. O açúcar cai bastante mal e ficamos diante de um filme estranho. Na ânsia de elevar Paul à condição de herói, nunca fica claro o que o levou a salvar toda aquela gente. Apesar da proteção, o filme se nega a mostrar um mÃnimo contato do gerente com aquelas pessoas. Nunca aparece o olhar ou a fala do outro – estão salvos, mas continuam renegados. A morte ronda o Hotel, mas não parece alterar muito quando penetra nele. Com os entes queridos salvos, tudo parece correr bem. E o respeito à vida fica com o terrÃvel cheiro de heroÃsmo patriarcal.
“Não é mentira, eles estão aqui mas realmente eu não sei quem é esse povo!â€
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