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Bicho de sete cabeças

16.04.10

por Daniel Oliveira

As melhores coisas do mundo

(Brasil, 2010)

Dir.: Laís Bodanzky
Elenco: Francisco Miguez, Gabriela Rocha, Denise Fraga, Fiuk, Zé Carlos Machado, Caio Blat, Paulo Vilhena, Gabriel Illanes, Gustavo Machado

Princípio Ativo:
a adolescência como ela é

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Se você quer saber qual tipo de aluno eu fui dentre os vários em “As melhores coisas do mundoâ€, olhe para o extra-campo. Aquele menino magrelo que nem aparece direito, não chama a atenção e para quem ninguém liga, a não ser quando havia alguma humilhação envolvida.

Eu não era protagonista. Nem coadjuvante. Mal chegava a ser figurante. Era do tipo que só observava, achando todo mundo “hipócritaâ€, “falso†ou “superficialâ€. E, pela negação deles, definia o que eu não era. Ou não queria ser.

Por isso, assistir ao filme de Laís Bodanzky é, para mim, acompanhar um pesadelo em tempo real. Todas as fofocas: quem é popular, quem não é, quem fez isso, ficou com aquele, as humilhações públicas, o bullying institucionalizado. De repente, todo mundo descobre Beatles e gosta. Depois, Led Zeppelin. Ninguém tem o direito (e a iniciativa) de ter opinião própria. Toda aquela sensação de que tudo é o fim do mundo, a incapacidade de lidar com - e a descoberta da – imperfeição da vida, dos amigos, dos nossos pais... Eu não sinto falta daquilo. Nenhuma.

Toda essa enrolação para dizer que sua relação com “As melhores coisas do mundo†vai ter muito a ver com esse histórico pessoal. O maior mérito do filme é sua autenticidade: dos personagens aos diálogos, das músicas às relações e à imaturidade. Tudo é divertida, dolorida e constrangedoramente familiar. A história do protagonista Mano (Miguez) - que lida não só com o divórcio paterno, mas com a bomba de que o pai é gay - é perfeita para mostrar como aquele universo adolescente-classe média-colegial é cruel, preconceituoso e violento.

Graças a Bueller, os adolescentes do roteiro de Luís Bolognesi não são como em “Malhação†– eles fumam, bebem e são bastante imperfeitos. Nem bons, nem maus: simplesmente falhos. Já a presença de Paulo Vilhena como um Yoda do violão, declamando filosofias baratas sobre música, a vida e tudo mais é de encolher na cadeira de vergonha. A trama envolvendo o professor vivido por Caio Blat e a “ética da profissão†também é meio solta. Assim como o drama forçado e absurdo do irmão de Mano (Fiuk, aparentemente uma celebridade [#muitoprazer], que não consegue convencer como um projeto de adolescente-poeta-sofrendo-do-mal-do-século).

Bodanzky filma com uma câmera bem comportada, sem muitas ousadias visuais. Ela faz um filme acessível para seu público-óbvio e é bem sucedida nisso. Com exceção do clima de romance desnecessário no final, “As melhores coisas do mundo†é um longa realista (longe do exagero de um “Aos trezeâ€, por exemplo) sobre a fase em que descobrimos que a vida é complicada, imperfeita e que ninguém morre disso.

Eu, sinceramente, prefiro o mundo estilizado de “Junoâ€, em que os adolescentes têm bom gosto musical e sempre sabem o que dizer, de forma inteligente e sarcástica. Mas eu não fui um adolescente exemplar, então...

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É assim que começa: o último dia do início de nossas vidas.

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