O medo pode se esconder em qualquer lugar. Quando ele te pega de surpresa, é ainda mais intenso. Como um refrão dos Pixies, em que gritos e guitarras descontroladas tomam de assalto uma melodia inocente. Assim o medo te deixa sem ação. Todo mundo está cada dia mais paranóico. Mas o que diabos Felipe Dylon tem a ver com isso?
Ele é o namoradinho do Brasil, e já pegou a cantora Wanessa Camargo e Helen Ganzzarolli, a ajudante morena gata do Gugu. É exemplo de bom moço, educado e simpático. “Sempre falo isso com todo mundo, mas acredite, você é muito gracinhaâ€, se derreteu Hebe em uma das vezes que ele foi ao seu programa. Suas fãs, garotas que acreditam que aquelas canções de amor foram feitas só para elas, parecem igualmente boazinhas.
O show de Felipe Dylon no Parque Lagoa do Nado, em Belo Horizonte, na noite de 30 de abril, seria então uma chance de participar deste mundo de inocência. Só Felipe Dylon e suas fãs apaixonadas. Tirar fotos, curtir o show e ainda entrevistar o cara. Perfeito. Mas o medo realmente pode se esconder em qualquer lugar.
O bom moço posa de roqueiro
O começo
- Rola de levar uma câmera? Será que é tranqüilo de ir de ônibus?
- Claro, é show do Felipe Dylon, só vão ter menininhas.
Acabamos achando uma carona que, pelo mapa da lista telefônica, chegaria fácil no tal Parque Lagoa do Nado. E chegou. Só faltava achar a lista das credenciais para entrar, que segundo o produtor do show, estava na Entrada 2. Sabe aqueles pesadelos em que você anda, anda, e sempre retorna ao mesmo lugar? Foram milhões de voltas por ruas escuras ao redor do parque, até descobrir que a tal Entrada 2 era o portão normal destinado ao público. Era o único portão de verdade do parque, a não ser portinholas sinistras vigiadas por sujeitos com caras de psicopata. Ficam as perguntas: Porque nosso amigo produtor não disse: “a lista está na entrada principal� E se aquele é o portão principal, porque diabos não se chama Entrada 1?
Para nossa surpresa, ninguém conferia a lista de credenciais. Só era necessário saber o código secreto: responder “sim†se perguntassem se você era da imprensa. Pena que Jorge Davidson, produtor musical que descobriu Felipe Dylon e o levou para a EMI, não sabia a senha, e ficou na porta esperando alguém ter o bom senso de deixá-lo entrar.
Era preciso descer por um caminho escuro, cercado de árvores, para chegar a um terreno de terra batida, com algumas cadeiras de plástico ao lado e o palco no fundo. A aparência era de quermesse de bairro, com a diferença de que ficava no meio do mato. O camarim ficava na beira de um barranco, com uma vista um tanto quanto medonha.
Enquanto esperávamos, meninas descontroladas clamavam impacientes pelo inÃcio da apresentação. O produtor avisou: â€O Felipe está atrasado só vai dar entrevistas depois do show. Vocês podem ficar entre as grades e o palco para tirar fotosâ€. De perto e à s centenas, elas não eram mais fofinhas, mas amedrontadoras. Era como sentir de perto a paixão das gurias e ouvir os gritos desesperados, que se transformaram em histeria coletiva quando Dylon finalmente subiu no palco.
Meninas inocentes clamam por Felipe
O show
“Como vão vocês? Com energia positiva sempre dá certo!â€, pergunta e exclama Dylon, logo no inÃcio da apresentação. A noite realmente prometia. Enquanto meninas choram, o roqueirinho briga consigo para extrair ruÃdos vocais de si mesmo. As muitas partes karaokê do show são prova concreta da falta de fôlego e voz do Ãdolo teen. Mas quem aà quer qualidade musical? Se alguém quisesse afinação impecável a melhor pedida seria o show do Rush. Não era o caso.
O que nos interessa, então, é o fato de “Pura Pressão†ser literalmente a música mais “tipo assim†de todos os tempos. Todas as canções com clipes têm seus vÃdeos exibidos no telão localizado no fundo do palco. Inclusive a simpática “Ciúmes de vocêâ€, do Roberto Carlos, quando Felipe Dylon pega a guitarra pela primeira vez.
Queremos mais Felipe! No palco e no telão
E, com o instrumento pendurado (e à s vezes até utilizado), o cara emenda um rockzinho atrás do outro. Ele se agacha tentando alcançar o público e exclui “Papo Reto†do Charlie Brown Jr. do setlist. Eu pagaria o dobro do ingresso para ver isso. Outra versão, “Me ligaâ€, do Paralamas, é bem recebida pela massa de garotas. “Mais perto de mim†é outra balada que empolga.
A dobradinha “Um amor de verão†e “Musa de verão†aumenta o nÃvel de decibéis. Melhor que a gritaria e as lágrimas das meninas só mesmo o agradecimento de Felipe Dylon: “Obrigado a todas as rádios que tocam ‘Musa de verão’â€. Depois tem gente que não acredita quando a Hebe fala que ele é o mais gracinha de todos. A mania de mostrar os instrumentos pra galera e de segurar o microfone igual um rapper também chama atenção. Mas o melhor é a voz grossa e marrenta que ele faz para conversar durante as canções. O garoto nos faz pensar se é realmente daquele jeito que ele conversa com a mãe dele, por exemplo. Não é possÃvel. Será que ele fala como um cara normal? Ninguém mantém uma voz falsa 24 por dia. Talvez o vocalista do Rush, vai saber.
Imagino se ele fala como um cara normal...
O arrastão
Mas o melhor e pior estava no fim do show. E, principalmente, o medo de que tanto falamos no começo deste texto. No palco impera a alegria e a paz. Dylon faz um discurso fraterno: “Obrigado a todos os pais que trouxeram suas filhas aqui. Respeitem bem os familiares que estão ao seu ladoâ€. Mas, desde o meio da apresentação, o que se vê na platéia são mães brincando de cabo de guerra para não terem suas bolsas roubadas. Ao mesmo tempo, meninas perdem suas câmeras fotográficas e celulares, e começam a entrar em pânico. O arrastão toma conta da massa até que a polÃcia chega e abre uma roda de pessoas com a mão na cabeça bem no meio do show da inocência. “Deixa Dissoâ€, a última música, é ofuscada, mas mesmo assim ainda consegue animar a moçada.
Não há clima para bis, muito menos para entrevistas. Não ficamos sabendo qual música do Jota Quest o roqueirinho carioca pretendia tocar e não ouvimos de novo a balada “Musa de verãoâ€. Sendo que ambas constavam no setlist obtido ao fim do show. O pesadelo acabara, mas ainda havia tempo para o susto final.
- Guarda a minha máquina digital na sua bermuda, ela tem mais bolsos.
- Ok. Manda aÃ.
Na saÃda (a tal Entrada 2, que deveria se chamar Entrada 1), dezenas de rapazes são revistados e permanecem com as mãos encostadas na parede. Não há táxi. Para ter acesso ao ponto de ônibus é preciso percorrer uma das ruazinhas escuras que cercam o Parque Lagoa do Nado. Os policiais liberam os moços que estavam sendo revistados ora para a esquerda, ora para direita. “Corre, corre... O que ainda você está fazendo aqui?â€, perguntam os guardas.
Tomamos coragem, seguimos a tal rua escura até a avenida em que pegarÃamos o ônibus ou táxi: qual dos que passasse primeiro. O que passou primeiro, bem ao nosso lado, não foi nenhum desses. Foi um dos moços que passou correndo. Ele dá uma parada, olha pra nós, possivelmente pensa “Será?â€. A resposta é não, do contrário este texto não teria fotos ilustrativas.
É a vida, né Felipe?