Fernanda, cantora de microfone (por Sérgio Pagano)
“A Nara Leão, como eu, é uma cantora de microfone, que canta ao pé do ouvido. Não precisa ficar fazendo aqueles malabarismosâ€. Na declaração, que antecedeu gestos desajeitados imitando malabarismos, Fernanda Takai ajudou a explicar como foi oportuna a idéia do seu disco solo e do show que acontecia naquele momento. O Teatro Rival, pequeno e bem sonorizado, é um bom espaço para declarações ao pé de ouvido.
A mistura de show, entrevista e sessão de rádio fez parte do projeto “Palco MPBâ€, produzido pela emissora MPB FM. A cantora tocou todas as faixas do seu primeiro álbum, Onde Brilhem Os Olhos Seus (que está sendo relançado pela Deckdisc) exceto a vinheta “Ta-Hiâ€. Ela apresentou ainda pequenas surpresas: duas músicas dos compositores “popularescos†Evaldo Braga (“Esconda o pranto num sorrisoâ€) e Pinduca (“Sinhá Purezaâ€).
A banda que a acompanhou (Lulu Camargo nos teclados, Mariá Portugal na bateria, John na guitarra e Thiago Braga no baixo) fez de tudo para não aparecer. Todos usavam roupas pretas e quase não se moviam. Seu marido John, que é também produtor do disco, ainda enfiou um chapéu até o meio da cara para garantir o anonimato.
Da esq.: Lulu, John, Fernanda, Thiago e Mariá (por Sérgio Pagano)
Porém, o trabalho musical foi tão bem-feito que era impossÃvel não notá-los. Lulu, um senhor sisudo e barbado, criava barulhos fofos como se fosse uma menina de 15 anos. John era certeiro nos timbres e notas e ainda ajudava nos backing vocals. Os quatro conseguiram fazer uma espécie de jazz sem virtuosismo.
O público, formado principalmente por ouvintes da rádio sorteados, parecia ter uma proporção maior de pessoas “tô aqui porque é de graça†do que dos fãs psicopatas que costumam se infiltrar nesses shows pequenos. Eles ensaiaram um coro tÃmido em “Diz que fui por aÆe só se soltaram mesmo na penúltima música, "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos".
Mas pelo menos um dos presentes sabia talvez mais do que Fernanda sobre o disco. No meio do show ela resolveu procurá-lo. "Se ele não tiver dado uma de Tim Maia, deve estar aqui. Cadê ele?", perguntou, até que as luzes se acenderam e o produtor Nelson Motta se levantou. Então a vocalista contou histórias da produção do álbum e resumiu a surpresa do sucesso: "Fizemos esse disco para os amigos. A gente só não imaginava que tivesse tantos amigos".
Açúcar e afeto: Motta e Takai (por Rodrigo Junqueira)
Para Nelson, Takai dedicou "Com açúcar e com afeto", uma das mais aplaudidas da noite. Ela ainda aproveitou a música para fazer campanha para a presença do compositor no seu show. "Essa música é do Chico Buarque. Sei que devem ter muitos amigos dele por aqui. Vou tocar dia 2 de maio no Canecão. Bem que vocês podiam dizer para ele ir lá...â€, disse a moça.
Se Chico aceitar o convite, vai ver a silhueta de Fernanda no palco escuro durante o arrastado e belo arranjo de "Insensatezâ€. Que só não é mais belo que a sequência de "Descansa coração" e "Canta Maria", o momento mais “ooown†do show. Se ele estiver de bom-humor, na hora do carimbó paraense "Sinhá Pureza" que Fernanda canta para fechar o show, talvez ele até se levante para dançar. Mas eu sei que isso seria impossÃvel. Chico é um caso cada vez mais raro de artista tÃmido e avesso a malabarismos. Como a Nara. Como a Fernanda.