Busca

»»

Cadastro



»» enviar

A vergonha e a vergonha da vergonha

Keane ao vivo no Citibank Hall – Rio de Janeiro, 20/04/07

receite essa matéria para um amigo

por Rodrigo Ortega

Fotos: Alexandra Alicke

Somewhere only we know

A Barra da Tijuca é uma maquete luxuosa em tamanho real que, a cada dia, fica mais absurdamente longe dos outros bairros do Rio de Janeiro. Depois de um táxi, dois ônibus e milhares de passos, não seria estranho dar de cara com a floresta encantada do clipe de “Somewhere only we knowâ€, dos ingleses do Keane. Não menos estranho que isso foi entrar no Citibank Hall semi-vazio (ou semi-cheio, dependendo do otimismo) e perceber, nos primeiros segundos do show, que Tom Chaplin, vocalista da tal banda inglesa, é muito daquele jeito que a gente imagina, uma caricatura dele mesmo.


O "Keane" canta com emoção

We might as well be strangers

Camisa social de manga comprida pra dentro da calça, punhos cerrados junto ao peito, cara redonda de garoto bonzinho e as bochechas mais rosas eu já vi na vida. Se a gente estivesse no início dos anos 90, daria pra dizer que Chaplin é uma mistura de Phil Collins com Jordy. Nos anos 2000, aposto que você nem precisou clicar aqui para saber com quem são todas as comparações.

As meninas cá embaixo empurravam; Tom lá em cima abria os braços e não economizava garganta. Minha primeira reação foi dar um passo para trás.

Em meio ao estranhamento inicial, era inegável que o baterista Richard Hughes estava bem elegante e, mesmo sem baixo e guitarra, Tom e Tim Rice-Oxley tiravam dos teclados um som encorpado. Ou melhor: um som gordinho de bochechas rosas. Já nas primeiras músicas do show, tanto do primeiro disco (“Everybody’s changingâ€, “Bend and Breakâ€) quanto do segundo (“Put it behind youâ€, “Nothing in my wayâ€), as boas melodias apareciam de sobra. Mas o exagero de Tom na interpretação e os gritos do público de "Olê, olê, olê, olê / Keanê, Keanê" faziam a vergonha alheia falar mais alto.


Às vezes o Tom é meio demais

Try again

Da frente do palco saía uma passarela que dava num palquinho menor, bem no meio do público. Foi ali que, talvez pelo pouco espaço para movimentos dramáticos, Tom Chaplin me fez ter um pouco de vergonha da minha vergonha. Não porque ele deixou de ser o vocalista engomadinho que dizia frases clichês entre as músicas (“It’s... It’s... So amazing to be here... This is such a… great cityâ€, ou coisas do tipo), mas porque ele entrou no meio do público sem medo de dar a sua cara redonda a tapa. Por não demonstrar vergonha de ter bochechas tão rosas, Chaplin desperta nossa vontade de apertá-las.

A parte mais bonita, ainda com a banda no palquinho, foi “Hamburg Songâ€, que contou com o velho truque de celulares ao alto. Naquele ponto, não era necessário nada mais que notas em tom menor no piano e versos como “I lay myself down / To make it so, but you don't want to know / I give much more / Than I'd ever ask for†para criar um clima de oooowwn generalizado.


As bochechas

Leaving so soon?

Com o jogo ganho, eles se deram ao luxo de deixar quase para o final, logo antes dos bis, seus dois principais singles, “Somewhere only we know†e “Is it any wonder?â€. O tal grito de guerra do público, que me recuso a repetir, ainda coloriu minhas bochechas de vergonha algumas vezes, antes de a banda voltar para tocar três belas faixas que que eles guardavam nas mangas compridas e bem passadas: “Atlanticâ€, “Crystal Ball†e “Bedshapedâ€.

Foi inesperado, depois de toda a aventura para chegar no local do show, olhar para o relógio e ver que ele iria terminar cedo, bem antes da meia-noite. Mas foi só dar uma última olhada em Tom Chaplin para entender: a uma hora dessas sua mãe já devia estar furiosa do lado do telefone, esperando a ligação de boa noite que ela sempre recebe do seu bom filho de bochechas rosas.

» leia/escreva comentários (8)