Die Hard (1988) | |
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Direção: John McTiernan Elenco: Bruce Willis, Bonnie Bedelia, Reginald VelJohnson, Paul Gleason |
Hoje, 25 anos depois, é difícil explicar o que significou ver “Duro de Matar” no final dos anos 80. Para uma criança fã dos astros de ação da época, foi a descoberta de um mundo novo. Era como se Indiana Jones agora disparasse metralhadoras automáticas no meio de uma cidade moderna. Ou como se o jogo “Pega-Ladrão” do Atari ganhasse vida. Para mim, foi como se brincar de esconde-esconde assumisse uma dimensão impensável.
Pois o filme é isso: uma brincadeira irresistível, um esconde-esconde emocionante porque ninguém sabe onde fica o pique. E “brincando”, “Duro de Matar” mudou o cinema de ação. E olha que foi quase sem querer.
O roteiro é baseado no livro “Nothing Lasts Forever”, de Roderick Thorp, continuação de outra obra do autor adaptada para o cinema em 1968: “O Detetive”, estrelado por Frank Sinatra. A proposta inicial era fazer uma continuação deste filme 20 anos depois, com o próprio Sinatra no papel principal. Como o cantor recusou, acabaram transformando a história em uma continuação do sucesso “Comando para Matar” a ser dirigida por John McTiernan. Mas aí foi a vez de Arnold Schwarzenegger não aceitar e acabaram fazendo uma produção original, sem ligação com outro filme. Estrelada, claro, por… Sylvester Stallone.
Como já sabemos, ele também recusou, assim como Burt Reynolds, Charles Bronson, Mel Gibson, Harrison Ford… Depois de todos os astros de ação da época dizerem “não”, o diretor e produtores optaram por um herói mais “normal” e ofereceram o papel a… Richard Gere!
Que também não se interessou. Foi só aí que resolveram voltar suas atenções para o comediante da série “A Gata e o Rato”. Bruce Willis não poderia parecer menos com um ator de ação dos anos 80 (inclusive o cartaz original do filme nem trazia seu rosto estampado). Tanto que estava quase escalado para ser o alívio cômico de Robert De Niro em “Fuga à Meia-Noite” (personagem que acabou com Charles Grodin) quando resolveu aceitar o papel de John McClane. Ele poderia gravar a série durante o dia e filmar “Duro de Matar” à noite.
Foi com um início assim conturbado que começou um dos maiores clássicos modernos. A escalação de Willis dá uma humanidade automática ao personagem, que o diretor resolveu tornar mais engraçado por causa ator. E é isso que vai fazer toda a diferença: McClane não se parece com os indestrutíveis fortões dos filmes de ação tradicionais. Ele é mais próximo, mais comum, um cara legal que poderia ter sentado ao seu lado no avião.
E é a partir de um close em sua mão apertando o braço do banco de uma aeronave que McTiernan nos apresenta o herói. Logo de cara nos mostra uma pessoa que tem medos, anseios, para só depois nos deixar saber que é um policial. Em menos de cinco minutos o filme estabelece bem o personagem principal, nos mostrando sua esposa e filhos (tudo o que ele tem a perder). Chama a atenção também como o nome McClane é repetido bastante logo no início, por vários personagens, para gravar na memória do espectador.
Em seguida, vem a apresentação de outro importante personagem: o prédio. Sede da Fox Filmes na Califórnia, o edifício estava ainda em construção quando serviu de cenário para “Duro de Matar” e o diretor de fotografia Jan de Bont (que depois dirigiria “Velocidade Máxima” e “Twister”) faz questão de mostrar de forma clara seus corredores, salões e elevadores para auxiliar na localização geográfica que será fundamental para a compreensão da ação mais tarde.
Todo o início do filme parece um drama típico, um homem que volta a reencontrar a esposa no natal sem ter certeza de que será bem recebido na festa da empresa em que ela trabalha. Passam-se 13 minutos até que se tenha a ideia de que há algo mais ali, quando a trilha sonora muda para mostrar um caminhão suspeito. E só aos 17 minutos surgem os vilões capitaneados por Alan Rickman, no primeiro papel do professor Snape no cinema. Todo este tempo – uma eternidade em se tratando de filmes de ação – serve para nos afeiçoarmos aos personagens e nos importarmos verdadeiramente com eles. Quando a festa é finalmente invadida pelos criminosos, “Duro de Matar” deixar de ser drama para se tornar um suspense. McClane está vestido com uma camiseta branca (fácil de sujar e por isso capaz de revelar de forma mais clara as dificuldades passadas por ele) e descalço, em oposição aos elegantes criminosos e convidados da festa. Este figurino serve para realçar ainda mais seu caráter de homem comum (frágil), vestido como se estivesse confortavelmente em casa.
O diretor faz uma opção interessante em relacionar o herói com o prédio de acordo com a situação que McClane está vivendo. No início, sem saber o que fazer, ele é mostrado “oprimido” pelos estreitos corredores e sobe e desce as escadas, sem muita direção. Enquanto está escondido, o personagem habita as “entranhas” do prédio: o elevador, construção, escadas. Ao se expor aos vilões da história, acaba do lado externo do edifício, criando uma simbiose simbólica com o arranha-céu que vai se manter por toda a obra. É apenas aos 35 minutos de filme que “Duro de Matar” deixa de ser um suspense para se tornar um exemplar de ação verdadeiro (no sentido dos filmes de ação dos anos 80), com direito a tiroteios e vidros quebrados. Ou seja, o filme leva todo este tempo para desenvolver os personagens, apresentar o cenário e estabelecer a intriga que vai fazer a trama andar. Um tempo precioso não só para torcermos para McClane, mas também para nos interessarmos pelo plano dos criminosos, algo importante para equilibrar a narrativa quando o foco não está no herói da história.
O roteiro é esperto ao sempre oferecer uma forma de salvação que não seja o personagem principal como o alarme de incêndio ou a ação da polícia. E chega a armar muito bem a situação de invasão do prédio pela polícia como se fosse o clímax, apesar de ainda estar na metade do filme (a sequência lembra bastante as tentativas de invasões de castelos em aventuras medievais). O “clímax” falso surpreende e dá novo fôlego a uma aventura que se restringe basicamente a um homem sozinho contra um grupo armado em um prédio.
E este é apenas um exemplo de como “Duro de Matar” desconstrói o gênero de ação de dentro para fora. Os grandes nomes da época como Stallone e Schwarzenegger são referenciados em falas de personagens, assim como outros astros hollywoodianos. O filme sabe que está de forma consciente propondo algo diferente ao tratar estes ícones como personagens ficcionais, reforçando McClane como homem comum.
James Bond está sempre bem vestido, é elegante, seguro e charmoso. Rambo é uma máquina de matar. Van Damme fazia o tipo que se sobressai pelas habilidades físicas, enquanto Schwarzenegger era a representação do musculoso indestrutível. Já McClane não é seguro de si, está mal vestido, por vezes desarmado, não luta muito bem e nem tem muitos músculos. O herói agora tem medo, dúvidas, comete erros, e sangra. Muito. Em “Duro de Matar” os personagens realmente importam, existe humor e mesmo que você saiba que tudo vai dar certo no final, preocupa-se com o herói por se sentir próximo a ele. A identificação é irresistível.
O filme é também um manifesto do individualismo, do homem sozinho contra o mundo que por esforço próprio consegue qualquer coisa. Na ridicularização das instituições como a polícia, o FBI, o jornalismo e a televisão (velha “rival” do cinema), há uma noção de que não se arrisca mais por ideais, mas apenas por dinheiro ou pela sobrevivência. Nesse mundo, o indivíduo vale mais do que o grupo. Agrupamentos são importantes para grandes ideais comuns; mas na era do cada um por si, John McClane sozinho tem mais valor do que os reféns, os criminosos, a polícia e a imprensa.
Alguns furos podem incomodar, como o herói se revelar assim que mata o primeiro capanga, ao invés de continuar escondido e armar algum tipo de armadilha para o restante do grupo (e qual é exatamente a importância de Argyle para a história?). Mas são detalhes que acabam não prejudicando a diversão que foi ver “Duro de Matar” pela primeira vez. E todas as outras.
Funcionou 25 anos atrás. E funciona até hoje.