As Aventuras de Pi

Tudo se ilumina.

Nossa avaliação
Life of Pi (2012)
Life of Pi poster Direção: Ang Lee
Elenco: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Ayush Tandon, Gautam Belur


Shakespeare acreditava que “a vida não passa de uma história cheia de som e fúria contada por um louco, significando nada no final”.

Fiéis religiosos creem que as misérias e sofrimentos da vida são provações enviadas por Deus para que nos tornemos dignos do Reino dos Céus.

Agora, pessoas que têm fé não em uma religião, mas em Deus, sabem que sofrimento e dor são consequências das nossas falhas humanas, da nossa imperfeição inerente. Porque Deus é beleza. Deus é a Mona Lisa. O coquetel AZT. Um transplante de coração. Um filme do Chaplin. Deus é a materialização do que existe de potencial e incrivelmente bom em nós. E quando nos damos conta disso, conseguimos enxergar – respeitar, temer e amar – Deus nas outras pessoas e no mundo ao nosso redor.

O protagonista-título de “As aventuras de Pi” acredita nisso e é essa crença, mais que a própria vida, que ele luta para manter no filme do cineasta Ang Lee. Quando, ainda criança, Pi afirma que viu a alma de um tigre nos olhos dele, o pai lhe explica que o que o filho viu era um mero reflexo da sua própria fé. E é exatamente isso que Lee constrói: a história de alguém que sobrevive graças não à ação de um Deus soberano, mas à sua própria capacidade de, em meio às piores catástrofes e provações, enxergar Deus na beleza do salto de uma baleia que joga toda a comida que lhe resta no mar. E é porque essa beleza é tão fundamental que a fotografia de Claudio Miranda é uma das coisas mais bonitas que você vai ver no cinema em 2012.

Tudo se ilumina.

Essa capacidade, que alguns chamam de fé, é para Pi sinal o bastante de que Deus ainda está dentro dele. Para Pi, o universo é uma bela dança celestial e basta querer para enxergar isso. Um menino cujos super heróis de infância eram os deuses do hinduísmo, cristianismo e islamismo, Pi cresceu filho de um dono de zoológico na parte francesa da Índia. Quando o pai decide embarcar a família com os animais num navio e estabelecer-se no Canadá, uma tempestade afunda a embarcação, deixando como sobreviventes apenas Pi, adolescente, e Richard Parker, um tigre de bengala.

O segundo ato do roteiro de David Magee concentra-se todo na relação desses dois náufragos. É a encenação de um tango que coloca em xeque a humanidade e a fé de Pi. E Ang Lee talvez use pela primeira vez o 3D não para jogar animais voando na sua cara, mas como ferramenta para estabelecer espacialmente o relacionamento e a distância, gradualmente mais curta, entre dois personagens.

É nessa convivência com Parker que Pi vai descobrir que não é a presença (ou não) de uma alma que nos diferencia de um tigre, uma zebra ou um orangotango. Mas sim a consciência, ou a crença, de que existe esse algo dentro de nós que nos conecta ao universo ao redor e especialmente às pessoas/seres que amamos, mesmo quando temos que abandoná-las. Lee visualiza essa interconexão em belíssimas transições que coroam a narrativa visual de “As aventuras de Pi” como um convite a enxergar no cinema a beleza que existe em cada um de nós.


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