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Já escutei histórias sobre donas de casa que “doam” roupas velhas para suas empregadas e depois descontam de seus salários. Também conheço gente que acha absurdo o empregado não usar o “banheiro da empregada”. A exploração que resulta no olhar para o outro como um ser naturalmente inferior possui raízes profundas na história da humanidade, a mais óbvia vem dos resquícios da escravidão.
“Histórias Cruzadas” acompanha uma jovem pretendente a jornalista em meio ao racista sul dos Estados Unidos nos anos 60. Skeeter (Stone), ao perceber o modo como as empregadas domésticas negras são tratadas pelas famílias brancas, resolve entrevistá-las para escrever um livro denunciando todo o tipo de abuso que sofrem entre as quatro paredes das casinhas típicas do american way of life.
Dirigido por Tate Taylor, o filme estabelece um incômodo paralelo entre as duas realidades, apostando no brilho e na cor das ricas e amplas casas suburbanas em contraste aos escuros e apertados ambientes habitados pelos personagens negros. A segregação é mostrada de forma nada sutil, e “Histórias Cruzadas” possui o mérito de apresentar para quem não conhece as mazelas do preconceito racial, representado aqui pela personagem vivida por Bryce Dallas Howard.
O problema é que o filme não dá conta de ser aquilo que pretende. Os personagens são mal desenvolvidos (a mãe de Skeeter parece trocar de personalidade como troca de peruca) e há tramas paralelas que pouco importam, como aquela da moça excluída das relações sociais das outras donas de casa (uma tentativa de mostrar que os brancos também excluem os brancos e que o preconceito não tem a ver só com a cor da pele, o que apenas enfraquece a mensagem que o filme parecia pretender passar).
Mas o maior problema de “Histórias Cruzadas” é um olhar para o negro como inferior, como se ele só pudesse alcançar algo sob o jugo do branco. Skeeter possui os meios de dar voz àquelas pessoas e parece se indignar com o preconceito, mas em sua relação com a antiga empregada de sua casa, revela uma atitude não muito diferente de suas “amigas”: a empregada negra não possuiria nenhuma vida fora do comando dos patrões, e a melhor coisa para ela seria permanecer naquela casa comandada por brancos.
Se derrapa no discurso racial, o filme ganha força graças às excelentes interpretações de seu formidável elenco, especialmente Viola Davis, que como Abileen transmite com poucas palavras toda a dor contida de uma pessoa que nunca teve a chance de se expressar. Seres praticamente invisíveis dentro das casas em que trabalham, os personagens negros de “Histórias Cruzadas” podem até dar visibilidade para o preconceito, mas é uma pena que a parte final do filme descambe para o melodrama, deixando a discussão social para dar lugar à vontade de te fazer chorar. Nesses momentos, é impossível não se perguntar: a proposta ali é a de se fazer uma denúncia ou ganhar prêmios? Fico com a segunda opção.